UM ARTIGO: "A Arte de Recusar um Original", de Camilien Roy.



NÃO, OBRIGADO!
(Eduardo Simões)

MANUSCRITO REJEITADO DÓI tanto quanto amor não correspondido. Ao menos é o que sugere o canadense Camilien Roy, 45, autor de "A Arte de Recusar um Original", livro em que um fictício aspirante a escritor narra suas investidas infrutíferas para publicar seu primeiro romance por meio das 99 cartas de recusa que recebeu.
A forma é uma homenagem às "contraintes littéraires" (experimentações literárias com restrições, por exemplo, temáticas) do escritor francês Raymond Queneau (1903-1976), autor de "Zazie no Metrô" (adaptado para o cinema por Louis Malle) e "Exercices de Style" (exercícios de estilo), livro que narrava uma mesma história de 99 modos diferentes, classificados segundo o estilo ("vulgar", "parcial" etc.).
Já o conteúdo é uma bem-humorada maneira de Roy criticar a um tanto enfadonha e nada pessoal padronização das cartas de recusa das editoras. Daí seu esforço criativo que inclui um haicai, uma peça de um só ato e até um sistema de resposta eletrônico ("Você teclou 8? Lamento! A decisão da equipe de leitura foi NEGATIVA!").
A ideia de escrever o livro, diz Roy à Folha, veio quando ele recebeu uma carta de recusa de um "editor importante" tão mal fotocopiada que o texto e o logotipo da editora estavam inclinados. "Mas o livro não é um acerto de contas com o mundo editorial.
E sim um modo de, pelo menos uma vez, não ser aquele que recebe as cartas, mas quem as escreve. E ainda de mostrar aos leitores que a publicação de um livro por uma editora respeitável é uma coisa difícil e por vezes cruel".
Para o canadense, autor de dois romances, a mais severa das recusas é a indiferença, que ele representa em seu livro com uma página em branco.
A única de fato positiva seria, por incrível que pareça, um "mal entendido": uma carta enfim elogiosa e incentivadora, enviada por um comerciante, que recebeu o livro por engano.
As cartas verdadeiras
Vivian Wyler, 54, diretora editorial da Rocco, que publicou "A Arte de Recusar um Original", conta que a editora recebe cerca de 40 manuscritos por semana.
Se o livro não é bom, ela é a favor da carta de recusa padrão, pois não haveria "a menor chance de dizer que é ruim, de uma maneira mais suave para o escritor, sem soar falso". Enviada em até 60 dias, em linhas gerais a carta agradece, mas diz que o original não se enquadra na linha editorial.
Há, porém, os meios-termos: "Nos casos em que temos em mãos um original com quase tudo o que deveria ter, mas que não chegou lá, aí mandamos uma cartinha indicando os problemas e as qualidades, e deixando claro que, se o escritor quiser trabalhar o manuscrito de novo, pode reapresentá-lo".
Wyler diz que as cartas de recusa da Rocco não são tão engraçadas quanto as de apresentação que chegam à editora com os originais. Muitas vezes confessionais, elas citam preferências literárias dos neoautores, o modo como começaram a ler e a escrever etc.
Uma dessas missivas rendeu uma piada interna na Rocco: uma escritora do interior de Minas Gerais defendeu seu livro, e sua pretensa vocação para a literatura, dizendo: "Gosto disso, sra. Wyler." A frase acabou virando mote de uso variado na editora.
EDITOR SUGERIU A TEZZA TOMAR "UMAS PINGAS"
Autor de "O Filho Eterno", romance de fortes tintas autobiográficas, que venceu cinco prêmios literários em 2008, Cristovão Tezza, 56, já foi "recusado", quem diria, por ser pouco pessoal. Tezza tinha 18 anos e acabara de apresentar à editora Brasiliense seu primeiro livro, "O Papagaio que Morreu de Câncer". A recusa, assinada pelo editor Caio Graco Prado, criticava o neófito por ter fugido "um bocado do "pessoal" para descrições enormes, na maioria das vezes inúteis".
"Quando li a carta, achei que minha vida de escritor tinha acabado. Bobagem. E ele disse umas coisas legais ali", diz Tezza, que recebeu uma curiosa sugestão de Caio Graco para dar um tom mais pessoal ao livro: "Se ajudar, umas pingas desarmam as defesas e podem contribuir". Daí para frente, afirma o escritor, vieram apenas mensagens padronizadas, ou, mais frequentemente, o silêncio.
Oito anos de recusa
O escritor Marcelo Mirisola, 42, "gaba-se" de ter "nas costas oito anos de cartas de recusa", que ele guarda numa mala. Ele afirma que seu segundo livro, "O Herói Devolvido" (sem trocadilho!), foi rejeitado por uma editora de São Paulo "por conter muito palavrão".
Para Mirisola, que diz ter recebido desculpas "esfarrapadas" como "não se encaixa em nossa linha editorial" ou "nossa agenda está cheia", muitas vezes "ficava claro que ninguém lia nada". A fim de testar as editoras, o escritor chegou a enviar originais com as folhas coladas: "Voltaram do mesmo jeito".
O escritor Santiago Nazarian, 31, que nunca recebeu uma carta de recusa, mas escreve pareceres de livros em inglês para editoras brasileiras, defende que, além de apontar os pontos positivos e negativos de um livro, tais pareceres deveriam ter mais espaço para uma "opinião mais verdadeira", na linha "achei uma merda".
"Acho que o parecer pode e deve ser mais sincero do que as cartas de recusa, não tendo medo de detonar um livro quando não gosta, ou de demonstrar seu entusiasmo quando adora. Com autores, é preciso ser um pouco mais delicado. É preciso pensar que a pessoa colocou muito do tempo, paixão e talento, mesmo quando ínfimo, lá."
O duplo sim de Hatoum
O premiado escritor Milton Hatoum também não relata recusas. Mas um curioso caso de dupla aceitação. Ele conta que havia terminado o manuscrito de "Relato de um Certo Oriente" em 1987, quando morava em Manaus. O texto ficou de molho alguns meses, até que um editor do Rio ligou para ele e perguntou se tinha algo.
"Mencionei o "Relato", enviei os originais, e um mês depois ele disse que ia publicá-lo. Em 1988, ganhei uma bolsa e vim para São Paulo. A Companhia das Letras me perguntou se eu tinha algum manuscrito e falei do "Relato". O editor do Rio já estava em outra editora, mas o texto estava no prelo. E eu nem sabia disso", diz. "Como o prazo para publicação havia expirado, troquei de editora na última hora, e o "Relato" só foi publicado em abril de 1989. Dois anos de espera e um baixo grau de ansiedade valeram a pena."

(Folha de S. Paulo, 21.02.09)

Três meses depois: Quando publicamos este artigo, não conhecíamos o livro. Agora, lido, garantimos que a resenha, bem costurada, supera em muito a obra que retrata. Esqueça do livro. Fica a lição do perigo de falar sem conhecer, razão da manutenção desta postagem no ar.

Um comentário:

Robertson Frizero disse...

Comprei o livro motivado pela ideia, mas a piada não se sustenta por muito tempo. A obra é mesmo fraca...