1930 - OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO (3)


Antes de trazer uma síntese da primeira parte do livro, destaco a passagem em que Domingos Meirelles faz um retrato do presidente Washington Luís, chefe do governo a ser derrubado pelo movimento de 1930.
Este é Washington Luís, na descrição de Meirelles:

"Sempre envolvido por 'nuvens de incenso', como dizia O Globo, o presidente julgava-se intelectualmente um iluminado. Não era um governante que se apequenava diante de desafios, acreditava, como alguns pensadores econômicos do século XVIII, que se podia mitigar a pobreza e melhorar a distribuição de renda sem mexer na ordem social. Os obstáculos seriam removidos pela força do seu carisma e de sua história. A obstinação e o narcisismo vagamente afrontoso o impediam de ver o pântano em que se movia, enxergava-se como um ícone. Via-se como um administrador honesto, trabalhador e virtuoso, a quem a maioria do povo perdoava os pequenos defeitos ou os considerava circunstancialmente secundários, diante das qualidades que lhe atribuíam.

(...)

Nos estertores de 1927, Washington Luís amargava politicamente outras desgraças, entre elas um legado maldito: a montanha de dívidas que Bernardes acumulara para combater a Coluna Prestes e sufocar os 14 levantes militares que infernizaram seu governo. A rebelião paulista de 5 de julho de 1924 e a marcha rebelde transformaram-se em generosa cornucópia.O Estado de sítio fora a consagração da ganância. Na campanha contra os insurretos não houve o menor zelo com o dinheiro público.

A imprensa fizera recentemente grave denúncia que envolvia o próprio Bernardes. Para livrar-se da vigilância do Tribunal de Contas, o ex- presidente enfrentara a Coluna com recursos captados na Inglaterra, através do Banco do Brasil. O artificio lhe permitiu escapar ao controle que o Senado exercia sobre empréstimos contraídos no exterior. As dívidas quese deixaram o Banco do Brasil no limiar da insolvência. Pelas frestas do poder afloravam outros escândalos, negociatas antigas, perdidas no tempo, voltavam a frequentar os jornais, como o famoso empréstimo que Epitácio Pessoa fizera no exterior, em 1922, para amenizar a Estrada de Ferro Central do Brasil. A verba desaparecera misteriosamente, nos alçapões do estado de sítio, sem que as linhas fosem eletrificadas.

'No Brasil não há responsáveis por crimes dessa natureza', denunciava O Globo. 'A política de conchavos imorais vive de cumplicidade, e cada governo que vem traz sempre o compromisso de abafar as misérias do governo que vai', espicaçavam ao comentar o silêncio de Washington Luís diante da aprovação secreta das contas de Bernardes pela Comissão de Finanças do Senado.'"

Até a próxima página.

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