"O TIGRE BRANCO" - UM TRECHO (2) - AS CASTAS

Reproduzimos, adiante, uma passagem onde o autor, Aravind Adiga, transmite as
impressões do protagonista sobre as castas, autêntica jabuticaba indiana:

"Preciso explicar umas coisinhas sobre as castas. Até os indianos se atrapalham com essa palavra, principalmente os mais educados, que vivem nas cidades grandes. Fariam a maior confusão se tentassem explicar isso a V. Exa. Mas, na verdade, é bem simples.
Vamos começar por mim.
Veja, o meu sobrenome, Halwai, significa 'fabricante de doces'.
Esta é a minha casta, o meu destino. Lá na Escuridão, qualquer um que ouça esse nome saberá de imediato tudo a meu respeito. É por isso que Kishan e eu saíamos arranjando emprego em confeitarias por onde quer que passássemos. O dono pensava: 'Ah, eles são halwais; fazer doces e chá está no seu sangue.'
Mas, se éramos halwais, então por que meu pai era condutor de riquixá em vez de trabalhar fazendo doces? Por que cresci quebrando carvão e limpando mesas em vez de ficar comendo Bulab jamuns e outros doces onde e quando quisesse? Por que eu era magro, de pele escura, sonso, e não gordo, de pele clara, sorridente como deveria ser um menino criado à base de doces?
Veja bem, este país, em seus dias de glória, quando era a nação mais rica da Terra, parecia até um zoológico. Um zoológico limpinho e bem-arrumado. Todos tinham o seu lugar e viviam felizes. Os ourives aqui; os criadores de gado ali; os grandes proprietários acolá. Quem era chamado de halwai fazia doces. Quem era chamado de criador de gado criava gado. Os intocáveis lim­pavam merda. Os grandes proprietários eram bondosos para com seus servos. As mulheres cobriam a cabeça com um véu e baixavam os olhos quando fala­vam com estranhos.
Até que, graças àqueles políticos lá de Déli, no dia 15 de agosto de 1947 - dia em que os britânicos foram embora -, todas as jaulas foram abertas. Aí, os animais começaram a se atacar e a se destroçar mutuamente, e a lei da selva substituiu a lei do zoológico. Os mais ferozes, mais famintos, devora­ram todos os demais e ficaram barrigudos. Agora, só isso tinha importância: o tamanho da barriga. Pouco importava que fosse uma mulher, um muçulmano ou um intocável: qualquer um com a barriga avantajada subia na vida. O pai do meu pai pode ter sido um halwai de verdade, um fabricante de doces, mas, quando ele herdou a loja, um membro de qualquer outra casta deve ter vindo roubá-Ia, com a ajuda da polícia. E meu pai não tinha a barriga necessária para reagir. Foi por isso que caiu na lama, que acabou no nível dos condutores de riquixá. Foi isso que me desviou do meu destino, que era ser gordo, de pele clara e sorridente.
Resumindo: antigamente, havia mil castas e destinos na Índia. Hoje, só há duas castas: a dos homens barrigudos e a dos homens sem barriga. E apenas dois destinos: devorar ou ser devorado."

Um comentário:

Anônimo disse...

ótimo livro!