Recordo-me agora, pelo correr da efeméride dos 100 anos de nascimento de Guimarães Rosa, de uma prática interessante de um juiz de direito que ocupou a Comarca de Itararé no início dos anos 70. Ao final do ano ele oferecia aos amigos aquelas folhinhas da Seicho- No-Ie, com citações diárias. Mas com um detalhe prá lá de interessante: ele escrevia, numa letra bem ajambrada, e com caneta de tinta grossa, uma frase de Guimarães Rosa para cada dia do calendário. Meu tio, amigo do juiz, ganhou uma dessas, que eu lia com muita curiosidade e encantamento. Claro que hoje não consigo recordar uma só das frases citadas no calendário, mas posso imaginar - agora -, para cada dia do mês, ao rodapé do calendário que se move a cada dia, um "Nonada", um "Viver é perigoso", um "burrinho pedrês, miúdo e resignado", um "Nove e trinta, um sincerro que tilinta", etc., etc. Hoje, quando leio Guimarães Rosa, percorro linhas imaginando quantas frases fantásticas, oraculares, não conviriam a um diário nos moldes tracejados por aquela figura. Aquele juiz em início de carreira, que oferecia à comunidade sinais claros de amor à literatura, seguiu sua linha de devoção às letras e redigiu excelente manual de redação jurídica. O homem entende do assunto. Hoje é desembargador.
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