VIDA E ÉPOCA DE KID TROVÃO - Bill Brysson - Um trecho: A CRISE DOS MÍSSEIS - 1962


"A segunda vez em que percebi que não se devia confiar muito nos adultos foi também a primeira vez em que fiquei genuinamente temeroso dos acontecimentos do mundo em geral. Foi no outono de 1962, pouco antes do meu décimo primeiro aniversário, quando estava em casa sozinho assistindo televisão e o programa foi interrompido para um pronunciamento oficial da Casa Branca. O presidente Kennedy apareceu com cara grave e abatida e revelou que as coisas não iam muito bem quanto a crise dos mísseis cubanos - a respeito de que eu não sabia quase nada àquela altura.
O contexto, se você precisa, é que a América descobrira que os Russos estavam se preparando (ou assim pensávamos) para instalar armas nucleares em Cuba, a apenas 150 quilômetros do solo americano. Tanto faz que tivéssemos mísseis a mancheia mirados para a Russia a partir de distâncias similares na Europa. Não estávamos acostumados a ser ameaçados no nosso próprio hemisfério, e não iríamos aceitar agora. Kennedy ordenou a Kruschev que parasse de construir plataformas de lançamento em Cuba, senão...
O discurso presidencial que vi dizia que estávamos agora na parte do 'senão'. Lembro disso com clareza absoluta, em boa medida porque Kennedy parecia precocupado e sombrio, não a cara que você quer ver num presidente quando se tem dez anos de idade. Botamos um bloqueio naval em volta de Cuba para expressar nossa insatisfação, e Kennedy agora anunciava que um navio soviético estava a caminho de desafiá-lo. Ele disse que dera ordens para que, se o navio soviético tentasse passar pelo bloqueio, os destróieres americanos deveriam disparar na frente de sua proa como aviso. Se ele continuasse, deveriam afundá-lo. Tal ato poderia, é claro, ser o início da Terceira Guerra Mundial. Isso até eu podia ver. Foi a primeira vez que me apavorei.
O tom de Kennedy evidenciava que tudo isso era bem iminente. Então eu fui e comi o último pedaço de uma torta de c hocolate da Toddle House que eu prometera à minha irmã, depois de um tempinho na varanda dos fundos, crendo ser o primeiro a dizer aos meus pais que estávamos prestes a morrer. Quando chegaram, me disseram para não me preocupar, que tudo ficaria bem, e é claro que estavam certos, como sempre. Não morremos - embora tenha chegado mais próximo disso do que ninguém quando minha irmão descobriu que eu comera seu pedaçõ de torta.
Na verdade, a morte passou mais perto do que havíamos percebido. Segundo as memórias de Robert McNamara, o então secretário de Defesa, os chefes do Estado-Maior da época sugeriram - na verdade recomendaram com insistência - que jogássemos umas bombas nucleares em Cuba para mosttrar determinação e para avisar aos soviéticos que seria melhor nem sequer pensar em colocar armas nucleares em nosso quintal. O presidente Kennedy, segundo McNamara, chegou bem perto de autorizar tal ataque.
Vinte e nove anos depois, após a derrocada da União Soviética, soubemos que o juizo da CIA sobre Cuba estabva completamente equivocado e que, (agora, surpresa!) os soviéticos na verdade já tinham cerca de 170 mísseis nucleares posicionados em solo cubano, todos apontados para nós, e claro, e todos teriam sido disparados em retaliação imediata a um ataque americano. Imagine uma América com 170 de suas maiores cidades - o que , só para conastar, incluiria Des Moines - detonadas. E é claro que n teria parado por aí. Foi quão perto chegamos de morrer.
Não confiei mais em adultos nem por um momento de lá para cá."
Até a próxima página.
(Ilustração: Capa da edição norte-americana)

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