tag:blogger.com,1999:blog-70538105049902747182024-03-12T20:00:54.513-03:00PRÓXIMA PÁGINAO plano é deixar impressões sobre aquilo que lemos.A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.comBlogger51125tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-12331156624940638372016-04-30T21:40:00.000-03:002016-04-30T21:40:57.896-03:00MARX NA CAATINGA.Cordel de Evaldo Araújo.<a href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SmHuXJbilbI/AAAAAAAAFro/OO79PZdtl7I/s1600-h/sert%C3%A3o+2.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5359827112983434674" src="https://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SmHuXJbilbI/AAAAAAAAFro/OO79PZdtl7I/s400/sert%C3%A3o+2.jpg" style="cursor: hand; cursor: pointer; display: block; height: 298px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 400px;" /></a><span class="Apple-style-span" style="border-collapse: collapse; font-family: "arial"; font-size: 13px;"></span><br />
<div style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="border-collapse: collapse; font-family: "arial"; font-size: 13px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">KARL MARX MATUTO</span></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="border-collapse: collapse; font-family: "arial"; font-size: 13px;"><div style="text-align: right;">
<span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Evaldo Araujo</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Karl Marx, cabra andarilho,<br />Que usava chapéu de couro<br />Quando se encontrou com Louro<br />Pra fazer um trocadilho<br />Pensou em um estribilho<br />Em fazer algo legal<br />Teve idéia genial<br />Falou de Lucro e Salário<br />Defendeu o proletário<br />Escreveu O Capital</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Se embrenhou na caatinga<br />Pra falar de Mais Valia<br />Entrou numa cantoria<br />E bebeu logo uma pinga<br />Um bebo com a catinga<br />De mortos queimados vivos<br />Bateu palmas, deu dois silvos<br />Deu um grito, lá do fundo<br />Esse diz pra todo mundo:<br />- Trabalhadores, uni-vos!.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Quando o forró começou<br />Quis fazer uma assembléia<br />Porém chegou uma véia<br />Que com ele se agarrou<br />Ele fogo não negou<br />Mostrou a foice e o martelo<br />A véia mostrou o pinguelo<br />E montou uma barricada<br />Chamou-o pr’uma trepada<br />Pra deixar de ser donzelo</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Quis falar do Manifesto<br />E a véía manifestou-se<br />Disse: - Agora lascou-se<br />O homi só quer protesto<br />Parece até que eu não presto<br />Que não gostou do que eu fiz<br />Não quis sequer fazer bis<br />Ou por mais não ter vontade,<br />Ou por estar com saudade<br />Das Comuna de Paris</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Depois de dançar com a véia<br />Se agarrou com os oito-baixo<br />Virou sanfoneiro macho<br />E começou fazer gréia<br />Tomou cana com geléia<br />Fez sextilha, fez quadrão<br />Depois deu um empurrão<br />Num soldado de polícia<br />E dedada com malícia<br />No rabo de um ladrão</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Propôs a expropriação<br />Do estoque da bodega<br />Se juntou com uma cega<br />Pra comandar a ação<br />Findou a exploração<br />Em Tabira e São José<br />Baixou o preço do mé<br />Acabando com o lucro<br />Montou um cavalo xucro<br />E partiu pro cabaré</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Pra não ficar isolado<br />Mandou chamar Friedrich<br />Engels, que chegou num pique<br />Todo metido a letrado<br />Vendo o lugar parado<br />Pediram uma aguardente<br />A uma moça contente<br />Cujo corpo se rebola<br />Pegaram logo a viola<br />E começaram o repente</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Começaram pel’Origem<br />Da Família e do Estado<br />E do Bem que é Privado<br />Provocando a moça virgem,<br />Que findou tendo vertigem<br />Ouvindo o palavreado<br />Tão difícil e complicado<br />Que acabou vomitando<br />E o povo inteiro gritando:<br />“Deixa a moça, véi safado!”</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Mas os dois continuaram<br />Cada qual cantando um tópico<br />Do Socialismo Utópico<br />E a todos espantaram<br />Depois foi que eles chegaram<br />Ao Comunismo Cientifico<br />Falaram do frigorífico<br />Que explora todo mundo<br />E deram pra Seu Raimundo<br />Mais um título honorífico</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Pra ganhar dos comunistas<br />Pinto e Louro ali chegaram<br />E, ligeiro, ensinaram<br />Quem eram os repentistas<br />Calaram os socialistas<br />Até o raiar do dia<br />Com Coqueiro-da-Bahia,<br />Dez pés de queijo caído<br />Com repique e remoído<br />Esquentando a cantoria</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Quando ouviram o Quadrão<br />Os barbudos foram embora<br />Em menos de meia-hora,<br />Abandonaram o Sertão<br />Saíram num carreirão<br />Por serra, morro e montanha<br />Numa montaria estranha<br />Que os dois tinham roubado<br />E no tal jumento alado<br />Voaram pra Alemanha</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "verdana";">Não se sabe se é verdade<br />Se é lorota ou mentira<br />Mas eu sei que em Tabira<br />Se diz com sinceridade<br />Que um dia a cidade<br />Recebeu um alemão<br />Que fez a revolução<br />No meio da cantoria<br />E que durante esse dia<br />Foi comunista o sertão</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Ilustração: Aquarela de </span></b><a href="http://mauroandriole-andriole.blogspot.com/"><b><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Mauro Andriole</span></b></a><b><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">.</span></b></span></span>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-56479008170090695222011-07-22T20:57:00.004-03:002011-08-02T14:44:20.523-03:00FERNANDO SABINO<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-aUR7JPz55VM/Tjg3G8_uNNI/AAAAAAAAGLk/g30KF8s5GMo/s1600/FSabino.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://4.bp.blogspot.com/-aUR7JPz55VM/Tjg3G8_uNNI/AAAAAAAAGLk/g30KF8s5GMo/s320/FSabino.jpg" width="250" /></a></div><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">A Última Crônica</span></b></div></div></div><div style="text-align: right;"><div style="text-align: justify;"><div style="text-align: right;"> <span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;"> Fernando Sabino</span></div></div></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.</div><div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas um a pequena fatia triangular. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. </div><div style="text-align: justify;"> </div></div><div><div style="text-align: justify;">A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: xx-small;"><b>(Extraído do livro "A Companheira de Viagem", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1965)</b></span></div></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-5262845917511979862010-08-02T20:27:00.006-03:002010-08-02T22:18:13.345-03:00QUARTO DE DESPEJO, DE CAROLINA MARIA DE JESUS, FAZ 50 ANOS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/TFdTtECsYVI/AAAAAAAAF7E/KzYpDZptDT4/s1600/carolina+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/TFdTtECsYVI/AAAAAAAAF7E/KzYpDZptDT4/s400/carolina+2.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Escrito na forma de um <b><span class="Apple-style-span" style="font-weight: normal;">diário, "</span>Quarto de Despejo<span class="Apple-style-span" style="font-weight: normal;">" teve</span></b> sua qualidade literária captada pelo jornalista Audálio Dantas, quando fazia uma reportagem na Favela Canindé, em São Paulo e lhe foram mostrados cadernos escritos por uma moradora, Carolina Maria de Jesus. A primeira edição do livro foi publicada sem maiores revisões para aproveitar a levada de sintaxe da autora, uma favelada, com dois anos de ensino formal, e dona de uma narrativa pura e envolvente.</div><div style="text-align: justify;">Veja um trecho:</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span></div><div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">"A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.</span></div><div><br />
<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Comecei a sentir a boca amarga. Pensei: Já não bastam as amarguras da vida? Parece que quando eu nasci o destino marcou-me para passar fome. Catei um saco de papel. Quando eu penetrei na rua Paulino Guimarães, uma senhora me deu uns jornais. Eram limpos, eu deixei e fui para o depósito. Ia catando tudo o que encontrava. Ferro, lata, carvão, tudo serve para o favelado. O Leon pegou o papel, recebi seis cruzeiros. Pensei em guardar o dinheiro para comprar feijão, Mas vi que não podia porque o meu eastômago reclamava e me torturava.</span></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">(...)</span></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Resolvi tomar uma média e comprar um pão. Que efeito surpreendente faz a comida no nosso organismo! Eu que antes de comer via o céu, as árvores, as aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos."</span></div></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman';"><span class="Apple-style-span"> </span></span></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><br />
</span> </span></div><div style="text-align: justify;">Excertos da primeira edição de "Quarto de Despejo", de agosto de 1960, são encontrados no livro "<b>CENAS DE FAVELA. As melhores histórias da períferia brasileira</b>", uma antologia organizada por Nelson de Oliveira, primeira edição de Quarto de Despejo, publicada em agosto de 1960, pela Editora Francisco Alves.</div></div></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-54971465827188031982009-08-02T10:30:00.020-03:002011-10-13T15:25:36.683-03:00JORNALISMO ESPORTIVO: OS GOLS CONTRA DA FOLHA DE S.PAULO<a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SnW7xwNqrjI/AAAAAAAAFso/x30gxmFBa-Q/s1600-h/lima6.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5365400994512023090" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SnW7xwNqrjI/AAAAAAAAFso/x30gxmFBa-Q/s400/lima6.jpg" style="cursor: hand; cursor: pointer; display: block; height: 255px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 333px;" /></a><br />
<div><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia;"><br />
</span></span></div><br />
<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Uma das melhores histórias sobre jornalismo e futebol é contada por Lima Duarte, e trata de uma audiência do vice-governador de São Paulo, Porfírio da Paz com o Presidente da República, Juscelino Kubitschek, em 1959. </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">O governador Adhemar de Barros viajara à La Paz, para tratar da importação do gás boliviano. Por conta desse compromisso, o vice-governador, autor do hino do SPFC, um tricolor mais do que apaixonado, foi destacado para a missão governamental.</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Iniciada a audiência, Juscelino pergunta ao vice-governador: </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">- E como está São Paulo, governador? </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">- Vai mal, Senhor Presidente. Perdemos para a Portuguesa de Desportos, dois a zero, um vexame... </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Juscelino interrompe, com elegância: </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">- Estou falando do Estado, governador... </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Porfírio, que só pensava em futebol, não compreendeu o aparte e pensou que o presidente falava do estádio, ou seja, do Morumbi, ainda em construção. E lascou essa:</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"> - Será inaugurado ano que vem, num jogo contra o Benfica. Será o maior estádio particular do mundo! </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Já impaciente, Juscelino tentou contornar: </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">- Excelência... Mas eu estou falando no Estado, no Estado de São Paulo! </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">- Olha Doutor Juscelino... Aqueles Mesquitas não estão nem aí com esportes... Eu prefiro mesmo é a Gazeta Esportiva... </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Trazida para os dias de hoje e o Caderno de Esportes da Folha de São Paulo seria o jornal que comporia a ultima parte da piada. Resumidamente, o negócio do pessoal de Esportes é assim: colocam um espessante num fato secundário, adensam uma circunstância lateral, entortam uma estatística, e com isso enchem colunas inteiras com um nada informativo. O custo é alto, porque eles têm de se afastar de muita informação relevante para poder sustentar suas doidas lucubrações. </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">A falta de tino na construção de manchetes é marca registrada daquela redação. Vejam: “Beijo se torna defesa antidoping”. É o caso de um esportista flagrado em exame antidoping, com resultado positivo para cocaína. Fica-se a imaginar que a linha de defesa relatada na matéria teria se tornado prática vezeira, repetida. Entretanto, é só ler o restante do texto e o leitor descobre que a manchete duela com a notícia: A tal defesa é inédita, foi apresentada pela primeira vez na história e tem pouca ou nenhuma credibilidade, na análise de especialistas. </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Mais um exemplo das caneladas da redação está na matéria sobre o jogo entre Palmeiras e Santo André, pelo Campeonato Brasileiro. A Folha reduziu o confronto a um embate entre Marcelinho Carioca, atleta do Santo André, de 34 anos, contra nada mais nada menos do que toda a equipe de Palestra Itália. Vejam a delirante síntese: “Palmeiras anula veterano e vence”. A ideia que a manchete passou foi a de que onze jogadores impuseram derrota a um homem. Seguindo nas suas miragens, a redação arremata, com destaque: “Equipe comandada por Jorginho supera Marcelinho”. Na sanha de dobrar a realidade a ilusões oníricas, e forçar epopéias, o jornal exalta “um duelo especial entre dois cerebrais”. Valoriza o derrotado, como que a trazer subliminares lições de moral, e conta que Marcelinho fez “lançamentos e passes milimétricos” de que nada adiantaram. Todo um mundo de representação para mostrar um jogo absolutamente normal, uma ordinária partida de futebol que terminou com resultado de um a zero, vitória do Palmeiras sobre o Marcelinho FC, digo, Santo André EC. </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">E um merecido cartão amarelo veio da Casa: O ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva comentou as derrapadas do Caderno. Veja a opinião do ombudsman: </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'trebuchet ms';"><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;">“ESTE JORNAL demonstra ser adepto da 'teoria do grande homem', formulada em meados do século 19 pelo historiador e filósofo escocês Thomas Carlyle. "A história do mundo não é nada mais do que a biografia de grandes homens", dizia, em sua inabalável admiração por heróis, fossem reis, políticos, militares, poetas ou santos. </span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'trebuchet ms';"><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;">Assim, na quarta-feira, ao apresentar a final da Copa do Brasil, a manchete do caderno esportivo foi: 'Ronaldo tenta preencher lacuna em seu currículo'. Para a Folha, o jogo não era entre Corinthians e Internacional, mas entre Ronaldo e seu currículo. </span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'trebuchet ms';"><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;">O mais importante não era o time que foi rebaixado da elite do futebol brasileiro no ano passado estar para ganhar um de seus títulos mais importantes. Era se Ronaldo ia colocar na sua lista de conquistas a de um campeonato disputado no Brasil. </span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'trebuchet ms';"><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;">Não se dá muito valor ao papel do técnico, dos dirigentes, dos outros jogadores, da torcida, nem se dá atenção às circunstâncias históricas, econômicas, esportivas que levaram o Corinthians ao sucesso. Foi o ‘grande homem’ que venceu. O resto é resto.” </span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'trebuchet ms';"><span class="Apple-style-span" style="color: #999999;"><br />
</span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'trebuchet ms';"><span class="Apple-style-span" style="color: #999999;"><br />
</span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'trebuchet ms';"><span class="Apple-style-span" style="color: #999999;">“</span></span></span><b>Cachorro faz mal a mulher</b>”. Esta manchete, clássico caso do jornalismo ignaro e leviano, conta a história da moça que comeu um cachorro quente numa barraquinha pouco confiável e teve de buscar socorro no hospital. Incrível, mas até para perto disso o Caderno de Esportes está se encaminhando. Pois ao tratar do acidente que vitimou Felipe Massa, na Hungria, o pessoal dos esportes, em confronto com o modo correto com que o jornal noticiou o fato na primeira página, investiu-se em mais uma gracinha, desta vez tenebrosa e talvez motivada por sentimento de morbidez. A manchete saiu assim: “Massa é nocauteado em plena pista”. Isso mesmo: o piloto foi nocauteado na pista do Circuito de Hungaroring.</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Um milhão de verbos e adjetivos para definir a ação e o resultado de um trauma causado por uma peça acidentalmente desprendida de um carro a 300 km por hora, e a Folha vai buscar um termo prá lá de específico, uma palavra cuja utilização fora do boxe só se justifica quando muito, mas muito bem contextualizada. Tudo bem que nocaute passe a idéia de agravo, de lesão; isso não se discute. Mas é elementar que o termo está usualmente associado a um revés sofrido no plano de uma disputa. Nocaute jamais guarda relação com evento fortuito. Nocaute, isso é primário, comunica-se com derrota, significa um golpe contra o qual a vítima poderia, se tivesse qualidades, se opor. De uma só vez deselegante, apelativo e vulgar. Datena, Ratinho e Márcia Goldsmith (que nos perdoem os citados) têm seus iguais na imprensa escrita. A Folha não merece. Ninguém merece. </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Manchetes desinformativas são presença constante. Os exemplos que trouxemos foram pinçados de matérias publicadas no curso de menos de um mês. O último esculacho, sobre o acidente de Felipe Massa, saiu na edição desta semana. Esquecem que são jornalistas, e não rapsodos. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b><span class="Apple-style-span" style="color: #999999;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial;">A história de Lima Duarte foi contada no seu programa na Rádio Cultura AM de São Paulo, apresentado das cinco às seis da manhã. Talvez o melhor programa de rádio dos anos 80. Lima Duarte tem um excelente repertório com histórias de futebol. </span></span></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span class="Apple-style-span" style="color: #999999;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial;">A matéria sobre o beijo muito louco foi publicada no dia 14/07/09. O jogo entre Palmeiras e Santo André (Eles diriam: Onze homens contra um velho xerife) saiu no dia 19.07.09. A análise do do ombudsman deu na edição do dia 05.07.09.</span></span></span></b><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial;"><span style="line-height: 115%;"></span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #990000; font-family: arial;"><b><br />
</b></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial;"><span class="Apple-style-span" style="color: #000099;">Saiba mais sobre assunto acessando o blog </span></span></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: large;"><span class="Apple-style-span" style="color: #000099;"><a href="http://futeborfutebor.blogspot.com/2009/08/jornalismo-esportivo-os-gols-contra-da_16.html">Futebor</a></span></span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial;"><span class="Apple-style-span" style="color: #000099;">. Lá você encontrará outra crítica do ombusman da Folha, publicada no dia 16.08.09. Lins da Silva aponta que o destempero da editoria de esportes não é coisa circunstancial, e que "...os exemplos são inúmeros...".</span></span></span></span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-90345859509948689382009-07-18T11:38:00.007-03:002009-07-18T12:05:25.552-03:00A SALVAÇÃO PELA LITERATURA. Crônica de Uriano Mota<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SmHkq4CqkjI/AAAAAAAAFrg/gcHmC5QwVvA/s1600-h/livros.bmp"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 272px; height: 391px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SmHkq4CqkjI/AAAAAAAAFrg/gcHmC5QwVvA/s400/livros.bmp" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5359816456796803634" /></a><br /><div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style=" color: rgb(51, 51, 51); font-weight: bold; letter-spacing: 1px; line-height: 44px; font-family:verdana;font-size:18px;"></span></div><span><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;"><br /></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;"><br /></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:large;">A salvação pela literatura</span> </span></div></span></div><div><div style="text-align: right;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><b>Urariano Mota</b></span></span></div><span class="Apple-style-span" style=" line-height: 19px; font-size:14px;"><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><strong></strong></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">Nos tempos em que pensei ser professor, sempre tentei dizer a jovens estudantes que a literatura era fundamental na vida de todos. Mas quase nunca tive sucesso nessas arremetidas rumo a seus espíritos. Minhas palavras pareciam não fecundar. Primeiro porque a literatura ministrada a eles, em outras aulas, destruía todo o gozo de viver. Os mestres, profissionais ou burocratas, ensinavam-lhes a anti, a literatura para antas, com listas de nomes, datas e resumos de obras, nada mais. Em segundo lugar eu não fecundava porque o valor do sentimento, o sentido de uma rosa, o cântico de amor ou o desajuste de pessoas em uma sociedade corrupta nada significava para as tarefas mais práticas, que se impunham.</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">- O que eu ganho com isso, professor?</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">E com isso, o jovem, quando de classe média, queria me dizer, que carro irei comprar com a leitura de Baudelaire? Que roupas, que tênis, que gatas irei conquistar com essa conversa mole de Machado de Assis? Então eu sorria, para não lhes morder. A riqueza do mundo das páginas dos escritores, a gratidão que eu tinha para quem me fizera homem eu sabia. Mas não achava o que dizer nessas horas quando o petardo de uma frase de Joaquim Nabuco ganhava a zombaria de toda a gente. Eu sorria e me punha a gaguejar coisas estapafúrdias do gênero os poetas são os poetas, Cervantes era Cervantes. E me calava, e calava a lembrança dos sofrimentos e humilhações em vida do homem Cervantes que dignificou a espécie.</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">- O que eu ganho com isso, professor?</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">Quando essa pergunta me era feita por jovens da periferia, excluídos, isso me ofendia muito mais que a pergunta do jovem classe média. Aos de antes eu respondia com uma oposição quase absoluta, porque não me via em suas condições e rostos. Mas a estes periféricos, não. Eu passava a ser atingido nos meus domínios, na minha gente, porque eu olhava os seus rostos e via o meu, no tempo em que fui tão perdido e carente quanto qualquer um deles. Então eu não sorria. Aquilo, do meu semelhante, me acendia um fogo, um álcool vigoroso, e eu lhes falava do valor da literatura com exemplos vivos, vivíssimos, da minha própria experiência. (Há um relato sobre isso em “<a href="http://www.revista.agulha.nom.br/urariano4.html">Histórias para adolescentes pobres</a>”.) Então eu vencia. Então a literatura vencia. Mas já não tinha o nome de literatura. Tinha o nome de outra coisa, algo como histórias reais de miseráveis que têm a cara da gente. Mas tudo bem, eu me dizia, que se dane o nome, vence a literatura.</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">No entanto, agora refletindo enquanto escrevo, descubro que ainda assim havia uma grandiosa derrota nessa vitória de extremo recurso. Eu, o professor, falhava como professor. Quero dizer, eu não acendia a chama em seus corações como um fogo de pentecostes, com o calor de que a literatura é um valor permanente, alto e tão alto que por vezes parece substituir a própria vida. Quero dizer, para ser mais preciso: eu não fazia aqueles adolescentes atirarem-se aos livros, que seriam uma casa, um céu, um amigo, uma amiga, um amor, a namorada. Os jovens se quedavam por momentos diante do relato e depois mudavam de assunto, para outra coisa mais urgente. Afinal, jovens precisam comer, vestir, beber, e pegarem em namoradas mais concretas que um soneto de Camões.</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">O professor falhava porque prática, grosseira e opressora era a onipresença do mundo das necessidades. A literatura não se inscrevia como uma prática nesse mundo. E prática aqui em dois significados: como um hábito e como uma intervenção útil, pragmática. A literatura se opunha ao mundo prático. Na visão de todos, ela era como um luxo, um caviar... mas me expresso mal, porque o luxo é desejado, o caviar é querido. Era muito pior: a literatura roubava o tempo que deveria estar empregado em outra coisa. Que coisa? Qualquer coisa, coisa qualquer. Os passatempos mais estúpidos seriam mais necessários que essa inominável que furtava energias, dinheiro e ações dignas de serem vividas.</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">- Em vez de estar lendo, você devia...</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">Então eu não mais sorria. No mais íntimo de mim eu me julgava, eu me sabia certo como um neurótico. Tudo era o contrário do que eu pensava, mas eu estava certo. Certo como um neurótico silencioso. Pois que louco eu seria a proclamar as venturas da literatura quando todas e quaisquer coisas eram mais venturosas?</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">Esta semana uma jovem míope, tímida, com 19 anos, deu uma substância e um conforto a essa qualquer coisa, coisa qualquer que para nada serve, que furta o tempo e deixa os seus cultores neuróticos, malucos ou esquizofrênicos. Na altura em que a mocinha atravessava um momento difícil, prestou concurso para uma bolsa de estudo na Alemanha. Pois esta semana saiu o resultado: ela foi um dos três jovens escolhidos. E por isso viaja, e por um ano terá bolsa líquida e livre de 600 euros, e mais universidade, casa e alimentação. Mas como, eu perguntei a ela, como você conseguiu, se não é uma falante de alemão? Ao que ela, em seu espírito verdadeiro, me respondeu:</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">- Eu fui salva pela literatura. Em minha carta contei como Goethe entrou em minha vida.</span></p><p style="text-align: justify;font-size: 12px; color: rgb(0, 0, 0); line-height: 19px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">Ah, sabem? Hoje é domingo, faz sol, tudo é luz. O neurótico aqui dedica à jovem esta crônica.</span></p></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">Conheça um pouco sobre <a href="http://www.revista.agulha.nom.br/urariano.html#nota">Uraniano Mota</a> e conheça seu <a href="http://urarianoms.blog.uol.com.br/">blog</a> </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;">O artigo foi retirado do site <a href="http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=605">NovaE</a></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:verdana;"><span class="Apple-style-span" style=""><br /></span></span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-14522286089031086432009-07-03T14:38:00.008-03:002009-07-03T15:29:18.927-03:00CINCO TIROS ABREM NOVOS NEGÓCIOS. Paulo Francis comenta o assassinato de John Lennon.<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/Sk5Md4QPvCI/AAAAAAAAFpI/7HEvVV-3Rqk/s1600-h/paulo_francis.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 283px; height: 395px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/Sk5Md4QPvCI/AAAAAAAAFpI/7HEvVV-3Rqk/s400/paulo_francis.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5354301083190541346" /></a><br /><span class="Apple-style-span" style="color: rgb(51, 51, 51); line-height: 17px; font-size:13px;"><p style="text-align: right;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><br /></p><p style="text-align: right;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; ">A propósito da morte de Michael Jackson, oportuna a leitura deste artigo de Paulo Francis. Trata do assassinato de John Lennon e daquilo que o jornalista definiu como<i> canibalismo de celebridades</i> . Só o título do artigo já encerra um tratado sobre o assunto.Publicado na Folha de S. Paulo de 10.12.1980.</p><span><span>.</span></span></span><div><span class="Apple-style-span" style="color: rgb(51, 51, 51); line-height: 17px; font-size:13px;"><span><span><br /><div style="text-align: center;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-size:large;">CINCO TIROS ABREM NOVOS NEGÓCIOS</span></b></div></span></span></span><div><div style="text-align: right;"><span class="Apple-style-span" style="color: rgb(51, 51, 51); line-height: 17px; font-size:13px;"><b>Paulo Francis</b></span></div><span class="Apple-style-span" style="color: rgb(51, 51, 51); line-height: 17px; font-size:13px;"><p style="text-align: center;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><b><span class="Apple-style-span" style="font-weight: normal; "></span></b></p><p style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; text-align: left; "></p><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';"></span></div><p></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">John Lennon, compositor, cantor, músico, o “pai” dos Beatles, foi assassinado à uma hora da manhã (hora de Brasília) de ontem, por um vagabundo, Mark Chapman, que disparou nele seis tiros de um revólver 38, acertando cinco. O crime aconteceu no saguão de um dos prédios mais famosos de Nova York, a oeste do Central Park, o Dakota (que a maioria dos brasileiros conhece como cenário do filme de Roman Polanski </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Rosemary’s baby</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">, com Mia Farrow e John Cassavetes). Lennon estava acompanhado da mulher, Yoko Ono, e dois cavalheiros ainda não identificados. Chapman esperou por ele horas no saguão, sem ser incomodado pelos agentes de segurança do prédio (cuja maioria dos moradores é celebridade, gente como Lauren Bacall etc.) que provavelmente, como é freqüente em Nova York, estavam bêbados ou dormindo. Lennon tinha 40 anos. Chapman, de Atlanta, Geórgia, conterrâneo de Jimmy Carter, tem 25.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';"><span id="more-381" style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "></span></span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">A polícia, chamada ao local, apreendeu facilmente Chapman, que largou o revólver depois de esvaziá-lo, sorrindo, certo (e está certíssimo) que do anonimato se tornará, como Lennon, uma celebridade. Esse o motivo aparente do crime. O canibalismo de celebridades que é rotina neste país (e no Brasil e todo o mundo ocidental), graças a um sistema de comunicações que evita assuntos sérios, mas que fornece um “circo” permanente, obsessivo, avassalador, sobre a vida dos bem-sucedidos e ricos, excitando sentimentos contraditórios, da adoração bocó dos fãs à frustração homicida, que às vezes se manifesta a la Chapman. É tolice atribuir o crime à violência de Nova York. Chapman estava em Nova York havia apenas duas semanas, proveniente de Atlanta (trabalhou um tempo no Havaí, como guarda de segurança, vulgo “vigia”). Em Nova York não é possível comprar armas de fogo sem extensa e prévia investigação policial (estou falando do mercado legal, naturalmente). Em Atlanta, onde recentemente 12 crianças negras foram assassinadas, é possível comprá-las em qualquer armazém…</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">A polícia de Nova York é treinada em paramedicina. Tentou ressuscitar Lennon, aplicando-lhe técnicas recomendadas, sem sucesso. Uma ambulância recolheu Lennon, que ainda falou aos médicos, dizendo quem era (”Meu nome é John Lennon”) mas foi pronunciado “D.O.A.”, morto ao chegar, no Hospital Roosevelt, a 13 quarteirões do Dakota. A causa: hemorragias incontroláveis.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">A nova celebridade, Chapman, está presa. Não precisa declarar nada. Pode exigir a presença de um advogado. Se não tiver dinheiro para pagá-lo, o Estado paga. É a lei. Se for chamado de assassino pela imprensa, um juiz poderá anular o julgamento, considerando-o preconceituoso contra o réu, presumindo-o culpado antes que um júri o condene ou absolva. É também a lei. Mas o provável é que se determine que Chapman é um psicopata, ou seja, passará o resto da vida num manicômio judiciário, vendendo direitos de lhe filmarem a vida, “escrevendo” memórias, vendendo entrevistas etc. Neste país tudo é faturável. A polícia já o chamou de “whaco” (demente, em gíria), pois a polícia conhece como ninguém como funciona o processo judiciário americano.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">O canibalismo continua depois da morte. Fãs histéricos cercam o Dakota, cantando músicas dos Beatles. Ringo Starr, o primeiro dos ex-companheiros de Lennon a chegar aos EUA, de Londres, teve de ser protegido pela polícia, em face da malta de fãs que queriam depredá-lo, amorosamente, claro… A aventureira japonesa Yoko Ono, herdeira da fortuna dos 150 milhões de dólares de Lennon, também está representando “Madame Butterfly”, vítima trágica do destino, que lhe roubou o homem amado. Também há bons negócios à vista para a viúva. Todo mundo está faturando, de estações de rádio à TV, que tocam incessantemente as músicas dos Beatles e continuam o canibalismo do cadáver. É a sociedade do consumo, em seu aspecto mais grotesto.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><strong style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">John, Paul, Ringo, George, filhos da Guerra Fria</span></strong></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Em nenhuma época um conjunto de música popular fez tanto sucesso como os Beatles. De certa maneira, eles são o símbolo mais à mão da chamada contracultura da década de 1960. Nunca tiveram o prestígio entre as elites do movimento de um Bob Dylan (cujas letras parafraseavam poemas de Eliot e outros heróis do modernismo da alta cultura. Hoje Dylan é um “renascido em Cristo”, à la Jimmy Carter, apesar de judeu de ascendência), ou de Jimi Hendrix, considerado o supremo inovador do rock, que morreu, como sua par, Janis Joplin, de uma dose excessiva de drogas. E só no início, que pouco chegou ao grande público, os Beatles tinha a agressividade da classe trabalhadora inglesa característica dos mais famosos produtos dos “Rolling Stones”, de Mick Jagger (cuja “The Citadel” nos diz mais sobre a guerra do Vietnã do que o excelente filme de Francis Ford Coppola, “Apocalipse agora”). Os Beatles se sofisticaram muito sob a mão de um gerente de gênio, Brian Epstein, outro viciado em drogas, que se suicidou em 1967, e que, homossexual, parecia exercer uma tutela absoluta sobre os quatro Beatles, Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison.</span></p><p style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; text-align: left; "></p><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">O segredo dos Beatles, depois de “peneirados” por Epstein, é simples: limpeza. O rock nasceu uma mistura de jazz e música montanhesa americana, sob o signo das cadeiras rebolantes de Elvis Presley. Foi, apesar de adorado pela garotada, uniformemente condenado pela classe dirigente americana, de que </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Time</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';"> era um dos símbolos (até 1968, quando perdeu quase todo o prestígio), e </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Time</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';"> escreveu longos editoriais sobre a imoralidade de Elvis, “O Pelvis”, como o apelidaram.</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Quando os Beatles chegaram ao quarteto final, depois de se chamarem “The Quarrymen” e outros nomes, eles, apesar de virem das favelas de Liverpool, faziam músicas românticas, chorosas, sem qualquer sofisticação de contexto e, depois que Epstein os vestiu de ternos e lhes aparou os cabelos (relativamente), os Beatles produziram um rock acessível aos valores da classe média, sem os “excessos” prévios e posteriores de Elvis e Jagger, respectivamente.</span></div><p></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Eles se sofisticaram bastante musicalmente, em </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Sgt. Pepper’s</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">, um disco divertido, de “Lucy” (supostamente sobre LSD, mas Lennon em entrevista a </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Playboy</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';"> diz que foi tirado de </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Alice no País das Maravilhas</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">. Ele pensa que isso confere inocência à música. Alice é bem mais pervertida do que LSD…), mas não há dúvida que foram as composições mais simples, “Love me do”, “I wanna hold your hand”, “Help” etc., que lhes angariaram os milhões de fãs, que lhes garantiram a venda de 250 milhões de discos, ou mais, o que levou John Lennon a dizer que o grupo era mais popular que Jesus Cristo. Isso irritou muita gente. Nunca entendi por quê. Jesus não foi popular em vida. Terminou crucificado. Jesus não penetrou no mundo judeu, muçulmano e ateu. Os Beatles penetraram até na URSS (clandestinamente, no mercado negro, mas aos milhões…).</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">O charme da música deles sempre me escapou, o que deve ser um problema geracional (se bem que o antigo Dylan e o Jagger de “The citadel” e “Helter skelter” me diziam muito, não sempre agradável) de quem foi educado sob jazz “hot” e “cool” e o rápido mas inesquecível “bepop”, talvez o maior salto qualitativo da música popular neste século.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Mas, sociologicamente, eles sempre foram interessantes. Aquela choradeira infantil que os celebrizou, o romantismo quase hilariante de baladas como “Yesterday” representavam certamente o estado de espírito de uma geração que emergiu na década de 1960, depois que as tensões totalitárias da guerra fria se abaterem quando Kennedy e Kruschev decidiram não destruir o mundo em face da presença de mísseis nucleares soviéticos em Cuba, 1962.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Não houve o estouro do pós-guerra de 1919 no outro pós-guerra de 1945. Isso porque passamos diretamente aos terrores ainda maiores, nucleares, da guerra fria, que Kennedy e Kruschev diminuíram em 1962, permitindo assim uma verdadeira revolução de costumes, “revolução cultural”, da década de 1960.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">A palavra infantilidade não é aqui usada insultuosamente. As crianças da década de 1960, nascidas sob o ruído dos aviões a jato, dos mistérios da eletrônica, sob o terror nuclear, sem qualquer acesso ao poder democrático, já que o poder, dos EUA à URSS, passara a ser exercido por burocratas sem cara, grupos de “experts” cuja sapiência era incontestada, crianças que nasceram quando os conceitos de religião, família e outras âncoras tradicionais haviam desaparecido sob o impacto da revolução capitalista-tecnológica-tecnocrática, tentaram criar o mundinho delas, de “quero segurar sua mão” e “socorro” (este quase um apelo direto). Renegaram a maneira de vestir, a maneira de pensar, a suposta ética de trabalho, de competição (a corrida entre ratos), o totalitarismo cultural da minha e precedentes gerações. Era, claro, uma revolução impossível, pois, em verdade, foi faturada pelas mesmas forças capitalistas, tecnológicas e tecnocráticas que dirigem o mundo. A contracultura nada mais foi que uma variante da sociedade de consumo. As pobres crianças tentaram saída, recorrendo ao misticismo do Leste (no pseudomisticismo de Herman Hesse, na maioria dos casos), ao uso das drogas, o que equivale a montar num tigre (Quem monte num tigre acaba no estômago do tigre…) e, finalmente, encontraram uma causa na guerra do Vietnã, em que era possível, enfim, lutar contra (não por) alguma coisa, a crueldade inominável dos EUA, do establishment, no sudeste da Ásia.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">A música foi naturalmente a linguagem mais acessível a essa geração. O socialista Michael Harrington, num dos mais agudos ensaios que já li, observa que os fanhos de Bob Dylan eram uma forma de contestar a cultura cruel que era capaz de criar um Beethoven (Quem pode melhorar Beethoven?) e os horrores tecnológicos do “napalm”, de Hiroxima e Nagasaki. As crianças procuraram um estilo delas, do blue jeans aos cabelos longos, que imaginavam contestação, enquanto os fabricantes de jeans e outros produtos da contracutlura, como a bolinha, diziam “Business as usual”, ou “Caixinha, obrigado”.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Mas crianças envelhecem, Lennon está certo em dizer à </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Playboy</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';"> que os Beatles não fazem mais sentido em 1980, que os Beatles eram os anos 60, ainda que o verdadeiro motivo dele seja o ódio incontido que revela nesta mesma entrevista contra seu ex-companheiro Paul McCartney (ele e John criaram a maioria das composições mais célebres dos Beatles), porque McCartney continua sendo o músico mais popular do mundo, enquanto que ele, John Lennon, teve uma década de 1970 repleta de fracassos. O último disco que lançou </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Double fantasy</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">, estava fazendo um certo sucesso e um compacto do dito, “Starting over”, está entre os dez mais vendidos. Mas Lennon permanecia muito atrás de McCartney. Ringo e Harrison nunca tiveram o mesmo destaque.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><strong style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">O último símbolo de um sonho impossível</span></strong></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Depois da morte de Epstein, os Beatles começaram a se dissolver. São dois os motivos: disputas de espólios da empresa em que eram sócios, a “Apple”, e, principalmente, as mulheres de John e Paul, Yoko Ono e Linda Eastman. Linda é herdeira da Eastman-Kodak, o que dispensa comentários. Foi “groupie” de grupos de rock, ou seja, prestava serviços de cama a qualquer tamborineiro famoso, a pedidos. Conseguiu porém fisgar Paul McCartney e lhe domina a vida, inclusive participando do conjunto dele, Wings, apesar de não ter nenhum talento. É mais velha que Paul. Ele parece até hoje uma menina. Esse tipo de mulher é o que se chama eufemisticamente “órgão de alicate”. “Prende” o homem dela em partes vitais. E Linda não se deu com sua equivalente Yoko Ono, que John Lennon, órfão de mãe, bebê e abandonado pelo pai, chamava (e o que mais poderia ser?) de mamãe. Foi o choque entre Yoko e Linda que provavelmente destruiu os Beatles. Yoko, japonesa, se autodescreve como “escultora” e da “alta sociedade de Tóquio”. É quase certamente uma gueixa, mas de “alicate”, e dominou completamente a vida de Lennon, o que ele confessa prazerosamente na entrevista à </span><em style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0px; padding-right: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; text-align: left; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Playboy</span></em><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">. Freud explica. Sempre explica.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Se Yoko se arrumou, soube dar a John Lennon fortuna e proteção. Escrevi que Lennon deixa cerca de 150 milhões de dólares. Fracassando em músicas novas nos anos 70 (a começar pelo ridículo LP de 1969 em que ele e a teratológica Yoko posam nus na capa e contracapa, as fotos trazendo má reputação à pornografia), ele, sob a direção do alicate de Yoko, aplicou o dinheiro Beatle, que continua e continuará rendendo, em mansões em Palm Beach, Flórida, Long Island, numa série de fazendas totalizando 1.600 acres n norte de Nova York, em valiosas vacas Holstein (uma foi vendida outro dia por 256 mil dólares…), num iate de quase duzentos metros e no apartamento do Dakota de 28 cômodos.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">No auge dos Beatles, Lennon favorecia causas radicais. Marchou contra a guerra do Vietnã. Fez experimentos perigosos com drogas, filmes que contrariavam a moral vigente (um sobre o próprio pênis), se tornou feminista etc. Sob Yoko, milionário, parecia mais criatura de astrologia, comedor de macrobiótica, “mãe de família” (ele cuida do filho do casal, Sean, de 5 anos, enquanto ela dirige os negócios da família), e, coisa inconcebível num radical, chagou a dar uma contribuição de mil dólares para a compra de coletes à prova de bala para a polícia de Nova York, a mesma polícia que sob o pretexto de que era drogado tentou deportá-lo até que todo mundo depôs a favor dele e conseguiu permanecer em Nova York, a polícia que não o protegeu do assassino quando morreu na cidade que mais amou.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">A morte dele é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Que John Lennon tenha morrido um milionário egoísta, rancoroso, vivendo no casulo de uma japonesa aventureira, não diminui as boas intenções iniciais dos jovens revoltosos dos anos 60, ainda que o fim dele, mesmo antes de morrer, também revele a ingenuidade dos métodos e aspirações que abraçaram.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto que esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum, que, se interessado neles, é submetido à dieta de “press release” dos poderosos. Com Lennon se foi, não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossível em nosso tempo.</span></p><p style="text-align: justify;margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 0.4em; padding-right: 0px; padding-bottom: 0.4em; padding-left: 0px; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:'trebuchet ms';">Veja onde anda <a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353">Mark Chapman</a>.</span></p></span></div></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-71026149354565955292009-06-06T15:42:00.017-03:002009-07-03T15:37:40.773-03:00AS FARRAS DE BERLUSCONI E A REPÚBLICA ITALIANA<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SirgFSSkWwI/AAAAAAAAFnU/0roQYTbIoSs/s1600-h/Berlusconi-Silvio+site+ac.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 392px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SirgFSSkWwI/AAAAAAAAFnU/0roQYTbIoSs/s400/Berlusconi-Silvio+site+ac.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5344330289242200834" /></a><br /><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="text-decoration: underline;"></span></div><span><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';"><br /></span></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';">O termo </span></span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';">república</span></span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';"> define o modelo de convivência social que reconhece como de todos os meios materiais e imateriais envolvidos na organização estatal. O bom agente público há de cuidar dos bens a si confiados com zelo extremo e destinação pública. E não poderá valer-se do exercício do mandato popular para desfrute pessoal.</span></span></div><span><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';">Pois é na Itália, justamente no berço da República, que o conceito é mais vergastado, nos dias que passam. Com afrontas de magnitude que justificou grave alerta feito pelo jornal espanhol "El País". Segundo o diário, as estrepolias do primeiro-ministro Berlusconi alcançam dimensão de grau a pôr em risco a ordem jurídica e a democracia na terra da bota.</span></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';">Envolvido em uma sequência de aventuras sexuais em parte subvencionadas com dinheiro público, impondo censura e a força descomunal do seu vasto arsenal midiático, Berlusconi empalma o poder com a sensação de monarca, deus e soberano. A ponto de usar de suas influências para impedir a publicação, na Itália, de fotos de uma festinha como aquelas das casas de banho da antiga Pompéia. E convencer uma editora a não publicar livro de Saramago.</span></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';">Publicamos o editorial em que o "El País" enuncia os motivos para a publicação de fotos duma festa prá lá de desinibida, numa mansão do Capo: Longe de se ocupar da vida privada de Berlusconi, justamente sua conduta de envolvimento entre o público e o privado foi a razão que empolgou o jornal a denunciar os desvarios do chefe de estado. O texto é uma ode ao jornalismo. </span></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';"><span class="Apple-style-span" style="font-family:Georgia;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'lucida grande';">Para se ter ideia do quanto esse homem é nafasto, o fotógrafo que fez as fotos dignas de ornar preliminares de revistinhas suecas, disse temer mais Berlusconi do que as milícias colombianas</span></span>.</span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><p align="center" style="margin:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:center; line-height:140%"><span class="apple-style-span"><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:large;">BERLUSCONI AL DESNUDO</span><o:p></o:p></span></span></p> <p style="margin:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:justify;line-height:140%"><span class="apple-style-span"><span style="font-family:";"><o:p> </o:p></span></span></p> <p style="margin:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:justify;line-height:140%"><span class="apple-style-span"><span style="font-family:";">Que no se equivoque Silvio Berlusconi: es la prensa democrática la que respeta su intimidad y él quien no deja de ponerla en entredicho. Porque la publicación de las fotografías de sus fiestas privadas no obedece a ningún intento de enjuiciar su moral como ciudadano, sino al propósito de demostrar que él, como primer ministro, está intentando convertir el espacio de la política democrática en una simple prolongación de sus relaciones de amistad y de sus entretenimientos.</span></span><span style="font-family:"Georgia","serif"; mso-bidi-font-family:Arial;"><o:p></o:p></span></p> <p style="margin:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:justify;line-height:140%"><span style="font-family:"Georgia","serif";mso-bidi-font-family:Arial;">Eso es exactamente lo que, según sus propias declaraciones, ha hecho al elaborar las sucesivas listas electorales de su partido e, incluso, a la hora de asignar responsabilidades de Gobierno. Y otro tanto cabe decir del uso de las facilidades que el Estado pone a disposición del primer ministro para cumplir con sus responsabilidades institucionales. Transportar invitados a fiestas privadas no es tarea de los aviones oficiales, poco importa a estos efectos que se trate de bailarinas o presentadoras de televisión. Y el hecho de que el primer ministro hiciera aprobar en 2008 una ley que abría los vuelos de Estado a cualquier acompañante no le ofrece una cobertura jurídica, sino que evidencia un flagrante abuso de poder.<o:p></o:p></span></p> <p style="margin:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:justify;line-height:140%"><span style="font-family:"Georgia","serif";mso-bidi-font-family:Arial;">La prensa italiana ha denunciado el escándalo, y la respuesta del primer ministro no ha consistido únicamente en negar o en trivializar los hechos, presentándose como un paternal protector de muchachas en las que asegura apreciar especiales talentos artísticos o políticos. Recurriendo a la confusión entre los intereses públicos y privados, Berlusconi ha intentado, además, desacreditar a ciudadanos que, como su propia mujer, estaban en condiciones de corroborar las denuncias. Ese género de presiones son la prueba de que, bajo Berlusconi, la libertad de expresión se encuentra amenazada. La fiscalía italiana ha secuestrado, por otra parte, la totalidad del archivo del fotógrafo que captó las imágenes.<o:p></o:p></span></p> <p style="margin:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:justify;line-height:140%"><span style="font-family:"Georgia","serif";mso-bidi-font-family:Arial;">Con este escándalo Berlusconi queda al desnudo, pero no como ciudadano, sino como político. Si hasta ahora sus salidas de tono se habían tomado a broma, hoy existen nuevas y poderosas razones para advertir que lo que el primer ministro está poniendo en juego es el futuro de Italia como Estado de derecho. Y una Italia que se deslice por la pendiente a la que la está arrastrando Berlusconi no es sólo un motivo de preocupación para los italianos, sino para todos los europeos.<o:p></o:p></span></p></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:7;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:48px;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-size:130%;"><span class="Apple-style-span" style=" font-weight: normal;font-size:16px;"><br /></span></span></b></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style=" font-weight: bold; "><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;">Publicado no "El Pais", edição do dia 05.06.09. Ilustração: Charge de </span></span><a href="http://www.andrecarrilho.com/portfolio.php"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">André Carrilho</span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;">. </span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;">Conheça </span></span></b><a href="http://www.elpais.com/fotogaleria/imagenes/censuradas/Berlusconi/6527-3/elpgal/"><b><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">as fotos</span></span></span></b></a><b><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;"> publicadas no El País. Conheça um pouco sobre o fotógrafo </span></span></b><b><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;"><a href="http://www.elpais.com/articulo/internacional/fotografo/Antonello/Zappadu/da/miedo/Berlusconi/guerrilla/colombiana/elpepuint/20090606elpepuint_11/Tes"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">Antonello Zappadu</span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"> e suas preocupações</span><span class="Apple-style-span" style=" ;font-family:Georgia;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;">. Mais sobre Berlusconi na análise de Rachel Donadio, correspondente do </span></span><a href="http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2009/05/29/ult574u9394.jhtm"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">New York Times</span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"> em Roma.</span><br /></span></span></span></span></span></b></div></span></span>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-11806856813246564482009-06-05T16:09:00.006-03:002009-06-06T16:29:09.088-03:00A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE MARX. Entrevista com Eric Hobsbawn<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/Sil2dF-w3GI/AAAAAAAAFmU/oNBkzOXU0Iw/s1600-h/MARX.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 319px; height: 320px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/Sil2dF-w3GI/AAAAAAAAFmU/oNBkzOXU0Iw/s400/MARX.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5343932675045514338" /></a><div style="text-align: right;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;font-size:100%;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:13px;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-family:Georgia;font-size:130%;"><span class="Apple-style-span" style=" font-weight: normal;font-size:16px;"><br /></span></span></b></span></span></div><div style="text-align: right;"><span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold; "><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;">“Marx previu a natureza da economia mundial no início do século 21, com base na análise da ‘sociedade burguesa’, cento e cinqüenta anos antes.</span></span></div><div style="text-align: right;"><span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold; "><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;">Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.”.</span></span></div> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">SIN PERMISO</b> - Duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”. Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa “In Our Time” da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político?</p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">ERIC HOBSBAWM.</b> Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado. Marx previu a natureza da economia mundial no início do século 21, com base na análise da “sociedade burguesa”, cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.</p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify">A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify">Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">SIN PERMISO</b>. Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">ERIC HOBSBAWM.</b> Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify">As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">SIN PERMISO</b>. Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século 21, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">ERIC HOBSBAWM.</b> Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify">Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente”. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify">No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de “O Capital”. Como mostram os “Grundrisse”, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify">Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">SIN PERMISO</b>. Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os “Grundrisse”. Escritos entre 1857 e 1858, os “Grundrisse” são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">ERIC HOBSBAWM.</b> Desde o meu ponto de vista, os ''Grundrisse'' provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no “Capital”, como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later).<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">ERIC HOBSBAWM.</b> No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos “Grundrisse”, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os “Grundrisse” “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século 19, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na “Ideologia Alemã”. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos “Grundrisse” hoje?<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">ERIC HOBSBAWM.</b> Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">SIN PERMISO</b>. Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?<o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><b style="mso-bidi-font-weight:normal">ERIC HOBSBAWM.</b> Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século 19 e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século 20. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar. </p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;">Entrevista publicada em outubro de 2008 no </span></b></span><a href="http://www.sinpermiso.info/"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;">Portal Sin Permisso</span></b></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-family:arial;">, respeitável respositório de textos de ciências humanas. Vale a visita. A tradução é de Marco Aurélio Weissheimer, da Agência Carta Maior.</span></b></span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p></o:p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify"><o:p> </o:p></p>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-61369129163184741452009-03-01T15:05:00.009-03:002009-09-20T11:40:08.020-03:00UM ARTIGO: "A Arte de Recusar um Original", de Camilien Roy.<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SarOwszCJCI/AAAAAAAABV8/iIE7cfz1Frs/s1600-h/capa+a+arte+de+recusar+siciliano.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 320px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SarOwszCJCI/AAAAAAAABV8/iIE7cfz1Frs/s400/capa+a+arte+de+recusar+siciliano.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5308282446863803426" /></a><br /><div align="center"><br /></div><div align="center">NÃO, OBRIGADO!<br /></div><div align="right"><span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;">(Eduardo Simões)<br /></span></span></div><div align="justify"><span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><br /></span></span>MANUSCRITO REJEITADO DÓI tanto quanto amor não correspondido. Ao menos é o que sugere o canadense Camilien Roy, 45, autor de "A Arte de Recusar um Original", livro em que um fictício aspirante a escritor narra suas investidas infrutíferas para publicar seu primeiro romance por meio das 99 cartas de recusa que recebeu.<br />A forma é uma homenagem às "contraintes littéraires" (experimentações literárias com restrições, por exemplo, temáticas) do escritor francês Raymond Queneau (1903-1976), autor de "Zazie no Metrô" (adaptado para o cinema por Louis Malle) e "Exercices de Style" (exercícios de estilo), livro que narrava uma mesma história de 99 modos diferentes, classificados segundo o estilo ("vulgar", "parcial" etc.).<br />Já o conteúdo é uma bem-humorada maneira de Roy criticar a um tanto enfadonha e nada pessoal padronização das cartas de recusa das editoras. Daí seu esforço criativo que inclui um haicai, uma peça de um só ato e até um sistema de resposta eletrônico ("Você teclou 8? Lamento! A decisão da equipe de leitura foi NEGATIVA!").<br />A ideia de escrever o livro, diz Roy à Folha, veio quando ele recebeu uma carta de recusa de um "editor importante" tão mal fotocopiada que o texto e o logotipo da editora estavam inclinados. "Mas o livro não é um acerto de contas com o mundo editorial.<br />E sim um modo de, pelo menos uma vez, não ser aquele que recebe as cartas, mas quem as escreve. E ainda de mostrar aos leitores que a publicação de um livro por uma editora respeitável é uma coisa difícil e por vezes cruel".<br />Para o canadense, autor de dois romances, a mais severa das recusas é a indiferença, que ele representa em seu livro com uma página em branco.<br />A única de fato positiva seria, por incrível que pareça, um "mal entendido": uma carta enfim elogiosa e incentivadora, enviada por um comerciante, que recebeu o livro por engano.<br /><strong>As cartas verdadeiras</strong><br />Vivian Wyler, 54, diretora editorial da Rocco, que publicou "A Arte de Recusar um Original", conta que a editora recebe cerca de 40 manuscritos por semana.<br />Se o livro não é bom, ela é a favor da carta de recusa padrão, pois não haveria "a menor chance de dizer que é ruim, de uma maneira mais suave para o escritor, sem soar falso". Enviada em até 60 dias, em linhas gerais a carta agradece, mas diz que o original não se enquadra na linha editorial.<br />Há, porém, os meios-termos: "Nos casos em que temos em mãos um original com quase tudo o que deveria ter, mas que não chegou lá, aí mandamos uma cartinha indicando os problemas e as qualidades, e deixando claro que, se o escritor quiser trabalhar o manuscrito de novo, pode reapresentá-lo".<br />Wyler diz que as cartas de recusa da Rocco não são tão engraçadas quanto as de apresentação que chegam à editora com os originais. Muitas vezes confessionais, elas citam preferências literárias dos neoautores, o modo como começaram a ler e a escrever etc.<br />Uma dessas missivas rendeu uma piada interna na Rocco: uma escritora do interior de Minas Gerais defendeu seu livro, e sua pretensa vocação para a literatura, dizendo: "Gosto disso, sra. Wyler." A frase acabou virando mote de uso variado na editora.<br /><strong>EDITOR SUGERIU A TEZZA TOMAR "UMAS PINGAS" </strong><br />Autor de "O Filho Eterno", romance de fortes tintas autobiográficas, que venceu cinco prêmios literários em 2008, Cristovão Tezza, 56, já foi "recusado", quem diria, por ser pouco pessoal. Tezza tinha 18 anos e acabara de apresentar à editora Brasiliense seu primeiro livro, "O Papagaio que Morreu de Câncer". A recusa, assinada pelo editor Caio Graco Prado, criticava o neófito por ter fugido "um bocado do "pessoal" para descrições enormes, na maioria das vezes inúteis".<br />"Quando li a carta, achei que minha vida de escritor tinha acabado. Bobagem. E ele disse umas coisas legais ali", diz Tezza, que recebeu uma curiosa sugestão de Caio Graco para dar um tom mais pessoal ao livro: "Se ajudar, umas pingas desarmam as defesas e podem contribuir". Daí para frente, afirma o escritor, vieram apenas mensagens padronizadas, ou, mais frequentemente, o silêncio.<br /><strong>Oito anos de recusa<br /></strong>O escritor Marcelo Mirisola, 42, "gaba-se" de ter "nas costas oito anos de cartas de recusa", que ele guarda numa mala. Ele afirma que seu segundo livro, "O Herói Devolvido" (sem trocadilho!), foi rejeitado por uma editora de São Paulo "por conter muito palavrão".<br />Para Mirisola, que diz ter recebido desculpas "esfarrapadas" como "não se encaixa em nossa linha editorial" ou "nossa agenda está cheia", muitas vezes "ficava claro que ninguém lia nada". A fim de testar as editoras, o escritor chegou a enviar originais com as folhas coladas: "Voltaram do mesmo jeito".<br />O escritor Santiago Nazarian, 31, que nunca recebeu uma carta de recusa, mas escreve pareceres de livros em inglês para editoras brasileiras, defende que, além de apontar os pontos positivos e negativos de um livro, tais pareceres deveriam ter mais espaço para uma "opinião mais verdadeira", na linha "achei uma merda".<br />"Acho que o parecer pode e deve ser mais sincero do que as cartas de recusa, não tendo medo de detonar um livro quando não gosta, ou de demonstrar seu entusiasmo quando adora. Com autores, é preciso ser um pouco mais delicado. É preciso pensar que a pessoa colocou muito do tempo, paixão e talento, mesmo quando ínfimo, lá."<br /><strong>O duplo sim de Hatoum<br /></strong>O premiado escritor Milton Hatoum também não relata recusas. Mas um curioso caso de dupla aceitação. Ele conta que havia terminado o manuscrito de "Relato de um Certo Oriente" em 1987, quando morava em Manaus. O texto ficou de molho alguns meses, até que um editor do Rio ligou para ele e perguntou se tinha algo.<br />"Mencionei o "Relato", enviei os originais, e um mês depois ele disse que ia publicá-lo. Em 1988, ganhei uma bolsa e vim para São Paulo. A Companhia das Letras me perguntou se eu tinha algum manuscrito e falei do "Relato". O editor do Rio já estava em outra editora, mas o texto estava no prelo. E eu nem sabia disso", diz. "Como o prazo para publicação havia expirado, troquei de editora na última hora, e o "Relato" só foi publicado em abril de 1989. Dois anos de espera e um baixo grau de ansiedade valeram a pena."</div><div align="justify"><br /></div><div align="justify"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold;">(Folha de S. Paulo, 21.02.09)</span></span></div><div align="justify"><b><br /></b></div><div align="justify"><span class="Apple-style-span" style="font-size:large;"><b>Três meses depois:</b> Quando publicamos este artigo, não conhecíamos o livro. Agora, lido, garantimos que a resenha, bem costurada, supera em muito a obra que retrata. Esqueça do livro. Fica a lição do perigo de falar sem conhecer, razão da manutenção desta postagem no ar. </span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-37843508567760665592009-02-21T11:23:00.010-03:002009-02-21T12:13:37.277-03:00CARLOS HEITOR CONY - "O Mosteiro dos Tijolos de Feltro"<a href="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SaAWgqjv14I/AAAAAAAABTA/AXJCmkSVw2g/s1600-h/castelo3.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5305265111478294402" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 149px; CURSOR: hand; HEIGHT: 127px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SaAWgqjv14I/AAAAAAAABTA/AXJCmkSVw2g/s400/castelo3.jpg" border="0" /></a><br /><div><div align="right"><div align="center"></div><div align="center"></div><div align="center"><span style="font-size:130%;">O Mosteiro dos Tijolos de Feltro<br /></span></div><em><strong><span style="font-size:85%;">Carlos Heitor Cony</span></strong></em><br /><br /><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">INFINITA É a capacidade do homem em buscar sarna para se coçar. Se até agora não demos o nosso recado, é evidente que quebramos a cara, e o remédio é assumir o fracasso e tratar de fazer pouco barulho. Foi mais ou menos o que não fiz quando tive tempo e pretexto para ficar quieto num canto e deixar o mundo fazer aquilo que o nosso presidente chamou de "sifu".</div><div align="justify">Aos 20 anos, encontrei um desinformado que me pagou para tocar piano num inferninho aqui no Rio -uma caverna vil, cheia de bêbados e prostitutas, foi assim que ganhei meu primeiro ordenado com o suor do meu rosto e o cansaço de meus dedos incompetentes.</div><div align="justify">Depois, também como não queria nada, passei para a literatura e logo para o jornalismo. Eis que novamente encontrei desinformados que me pagaram por uma e outra coisa -e assim fui vivendo meus dias, com dinheiro pouco, mas bastante para o leite das crianças e para o meu próprio leite.</div><div align="justify">Nunca precisei rolar pelas sarjetas -profecia de um mestre que perdeu a paciência comigo por causa de umas equações de 2º grau e me profetizou um futuro negro, esmolando pão, dormindo sob marquises, coberto por jornais da véspera. Essa imagem às vezes retorna ao meu inconsciente: são os únicos momentos em que me considero um vencedor. Pelo menos até agora, ainda não cheguei a esse estágio de miséria.</div><div align="justify">Mas nunca se deve confiar em quem já tocou piano e escreveu tanto para ganhar o pão de cada dia. Tempos atrás, aproveitando um recesso doméstico -fui operado nas cordas vocais e tive que passar duas semanas na encolha- dei para pintar. Isso mesmo: pintar quadros.</div><div align="justify">Pegava pincéis e espátulas, esparramava cores aqui e ali, depois assinava e datava para que a posteridade soubesse quando e onde havia feito uma obra-prima. Borrando aqui e ali fui acumulando obras de arte que transbordaram de meu apartamento e vieram comigo ao trabalho.</div><div align="justify">Um dia -que ainda será celebrado na história universal como um marco memorável da estupidez humana-, vendi um quadro a um desprevenido. Por maior que fosse minha decadência moral e humana, senti algum remorso. À noite, rondei a casa do camarada, para ver se ele havia sido expulso do lar.</div><div align="justify">Cheguei a imaginá-lo sentado na calçada, o quadro entre as pernas, meditando sobre a besteira que fizera e que lhe provocara o exílio. Alguma coisa de inacreditável deve ter acontecido, pois o cara foi aceito em casa, por sua mulher, filhos e agregados.</div><div align="justify">Piorando a coisa, três ou quatro dias depois vendi outro quadro e, durante algum tempo, era rara a semana em que não emplacava uma tela, recebendo em troca aquele papel retangular emitido pela Casa da Moeda e que os bancos aceitam como dinheiro. Ainda não fiz os cálculos, mas creio que vendi uns 20 quadros de diversos tamanhos, feitios, cores e propostas -pois os meus quadros tinham a proposta de não ter proposta alguma. Van Gogh e Modigliani nunca venderam um quadro em vida. Já é um começo de conversa. Não precisei cortar a orelha numa crise de desespero, como o primeiro, nem comer velas para me alimentar com o sebo, como o segundo.</div><div align="justify">Caprichei, sobretudo, nos azuis. Conheci uma norte-americana em Veneza, que ali vivia havia dez anos, apenas para estudar os azuis de Ticiano. É possível que daqui a alguns séculos, alguém venha estudar os meus azuis -que são quase verdes.</div><div align="justify">Não é por nada, não, mas fui em frente enquanto tive vontade e demência suficientes para continuar. Não tinha muita coisa a perder, além da compostura que já havia perdido. Depois de algumas esforçadas tentativas, passei a me dedicar aos abstratos conceituais -forma sofisticada de não ter conceito algum. Uma papelaria do Catete fazia anualmente um calendário com quadros de autores desconhecidos, troquei um deles por tubinhos de acrílico e pincéis importados. Pediram-me um nome para identificá-lo, não sei como, me deu vontade de batizá-lo como "Mosteiro dos Tijolos de Feltro". O dono da papelaria gostou do quadro, mas não gostou do nome. Chamou-o de "Impressões". O único impressionado fui eu mesmo, que decidi parar com aquilo e voltar a escrever romances -o que dava mais ou menos na mesma.</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:85%;"><strong></strong></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:85%;"><strong>(Folha de S. Paulo, 19/02/09)</strong></span></div></div></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-63339079500752487472009-01-06T10:55:00.043-02:002009-07-03T15:38:53.274-03:00MASSACRE NA FAIXA DE GAZA: Jornalista narra a morte do pai, vítima de bombardeio aéreo.<a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SWNffNZDcWI/AAAAAAAABO0/lM8TnT30BPw/s1600-h/GAZA+2.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5288175377238421858" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; CURSOR: hand; HEIGHT: 268px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SWNffNZDcWI/AAAAAAAABO0/lM8TnT30BPw/s400/GAZA+2.jpg" border="0" /></a> <div><a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SWNe-8oQGNI/AAAAAAAABOk/Zv5VK6y5eLQ/s1600-h/GAZA+3.jpg"><span style="font-family:georgia;font-size:85%;"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"><em></em></span></span></a><span style="font-family:georgia;font-size:85%;"><em></em></span></div><div><br /></div><div align="right"><span style="font-family:verdana;"><span style="font-size:78%;"><em>Por acaso, Israel, não te lembras das dores sofridas,<br />Das mortes nos campos de Auschwitz, Treblinka e Dachau?<br />Esqueceste, oh! Israel, do Gueto de Varsóvia,<br />Em que agora transformas a faixa de Gaza? </em><br /></span></span></div><div align="right"><span style="font-family:verdana;font-size:78%;"><em>(Alcindo Tenório)</em></span></div><br /><div style="text-align: justify;">O morticínio na faixa de Gaza, fruto dos ataques do Estado Terrorista de Israel, e que já alcança onze dias seguidos, tem sido mostradoem larga escala na imprensa. Bombardeios a alvos civis, aí incluída uma Universidade e o saldo de setecentos mortos e três mil feridos, este o resultado da barbárie. </div><div align="justify">De se fixar, de logo, que ninguém aqui deixa de questionar os intermitentes bombardeios dirigidos ao território de Israel, pelo Hamas. Numa coisa se igualam: Um em escala caseira, artesanal; outro com sustentação sólida e aparelho bélico ultra-avançado. Aforante isso, ambos violam vetustas leis de guerra que condenam bombardeios dirigidos a alvos civis (1). De todo o modo, a reação agora oposta por Israel é absolutamente desproporcional e irresponsavelmente anti-humanitária, isso para ficarmos no jargão diplomático. Insânia esta que ultrapassa todos os limites, a ponto de, como ocorreu, hoje, e pela segunda vez, de bombardearem <a href="http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/01/06/ataque-israelense-mata-42-em-escola-da-onu-587903913.asp"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">Escolas da ONU</span></a>, espaços físicos hoje destinados ao abrigo de refugiados, e devidamente sinalizados para tal uso. </div><div align="justify"></div><div align="justify">Como disse Saramago, parece que o instinto serve mais aos animais do que a razão aos homens...</div><div align="justify">A matéria que postamos a seguir, longe de destoar da assombrosa realidade exibida na mídia, carrega uma dolorosa particularidade: Nela o jornalista FARES AKRAM, correspondente do jornal inglês "<strong>Independent</strong>", reporta a morte do próprio pai, colhido por um ataque aéreo das forças de Israel. </div><div align="justify"></div><div align="justify">O pai de Akram fora advogado e, depois, juiz da Autoridade Nacional Palestina. Com a ascensão do Hamas ao poder, abandonou o posto e trocou o cargo de magistrado pela vida de agricultor, proprietário de terras. Como conta a reportagem, o pai "...<em>odiava o que o Hamas estava fazendo com o sistema legal de Gaza, introduzindo a justiça islâmica, e era totalmente oposto à violência</em>...". Com a iminência da invasão por terra, ele não acompanhou a família até a cidade e resolveu ficar na propriedade, porque "...<em>não haveria como voltar para cuidar do gado se a invasão terrestre acontecesse"</em>.<br /></div><div align="justify">Vamos ao texto, publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição de hoje, com tradução de Paulo Migliacci: </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"><br /></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><blockquote><p align="justify"><strong></strong></p><p align="center"><strong><span>"A PAZ DO SÍTIO FOI DESTRUÍDA, E MEU PAI, DESPEDAÇADO"</span></strong></p></blockquote><div align="right"><strong><span style="font-size:85%;">Por FARES AKRAM</span></strong></div><div align="right"><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:78%;"></span></div><div align="right"><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:78%;"></span></div><div align="right"><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:78%;"></span></div><div align="right"><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:78%;">"Sepultamos meu pai anteontem em um funeral muito rápido, </span></div><div align="right"><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:78%;">sabendo que havia tanques a apenas três quilômetros."</span></div><div align="right"><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:78%;"></span></div><div><span style="font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span>O telefonema surgiu às 16h20 do sábado. Uma bomba havia atingido a pequena casa de nossa fazenda no norte da faixa de Gaza. Meu pai estava caminhando do portão para a casa. </span></div><div align="justify"><span>Era a fazenda mais próxima à fronteira norte com Israel. Ironicamente, sempre imaginamos que o maior perigo fossem não as tropas israelenses, mas os erros nos foguetes do Hamas disparados contra cidades de Israel logo ao norte de nós. </span></div><div align="justify"><span>Mas pouco antes do cair da noite, no sábado, quando tropas terrestres e tanques israelenses invadiram a faixa de Gaza com a missão de pôr fim ao uso de foguetes pelo Hamas, a paz do local foi destruída, e a vida do meu pai, extinta. Aviões e helicópteros de combate haviam varrido a área, lançando bombas para abrir caminho às forças terrestres e tanques que seguiriam adiante assim que a noite caísse. Foi um desses ataques que causou a morte do meu pai. </span></div><div align="justify"><span>Como a maioria dos cidadãos de Gaza, minha mãe, minhas irmãs, minha mulher grávida de nove meses e eu passamos a última semana aprisionados em nosso apartamento na cidade. Mas meu pai havia decidido ficar na fazenda; ele sabia que não haveria como voltar para cuidar do gado se a invasão terrestre acontecesse. </span></div><div align="justify"><span>A última vez que o vi foi na quinta-feira, quando ele trouxe dinheiro e um saco de farinha. Conversamos sobre o iminente nascimento de meu primeiro filho e sobre como faríamos para levar minha mulher ao hospital em meio ao bombardeio. É claro que na noite de sábado não havia esperança de levar uma ambulância à fazenda, porque as estradas estavam bloqueadas pelos israelenses. Assim, meu tio e meu irmão dirigiram os oito quilômetros até lá e o resto da família ficou no apartamento. No fundo, todos sabíamos que papai estava morto. Quando um F-16 bombardeia sua casa, você sabe as consequências. </span></div><div align="justify"><span>Sepultamos meu pai anteontem em um funeral muito rápido, sabendo que havia tanques a apenas três quilômetros. Os israelenses podem alegar que existiam militantes na área de nossa fazenda, mas jamais acreditaremos. O ponto mais avançado para os lançadores de foguetes fica seis quilômetros ao sul. Na fronteira, o terreno é uma planície aberta, sem esconderijos possíveis. </span></div><div align="justify"><span>Meu pai não era militante. Nascido em Gaza e educado no Egito, ele era um advogado e juiz que trabalhou para a Autoridade Palestina. Depois que o Hamas tomou o poder, ele abandonou seu posto e se tornou agricultor. </span></div><div align="justify"><span>Ele odiava o que o Hamas estava fazendo com o sistema legal de Gaza, introduzindo a justiça islâmica, e era totalmente oposto à violência. </span></div><div align="justify"><span>Minha dor não envolve desejo de vingança. Mas, como um filho em luto, vejo dificuldade para distinguir entre aqueles que os israelenses chamam de terroristas e os israelenses que estão invadindo Gaza. Qual é a diferença entre o piloto que despedaçou meu pai e um militante que dispara um pequeno foguete? Só sei que, no momento em que estou por me tornar pai, perdi o meu.<span style="font-size:130%;">" </span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div><br /></div><div align="justify"><span style="font-family:verdana;font-size:85%;"><strong>Ilustração: Instantâneo de Gaza.</strong></span></div><div align="justify"><strong><span style="font-family:Verdana;font-size:85%;"></span></strong></div><div align="justify"><strong><span style="font-family:Verdana;font-size:85%;"></span></strong></div><div align="justify"><span style="font-size:85%;"><span style="font-family:verdana;"><strong></strong></span></span></div><div align="justify"><span style="font-size:85%;"><span style="font-family:verdana;"><strong></strong></span></span></div><div align="justify"><span style="font-size:85%;"><span style="font-family:verdana;"><strong>(1)</strong> Veja, a propósito, postagem neste blog a respeito da </span></span><a href="http://proximap.blogspot.com/2008/01/as-noites-das-grandes-fogueiras-1-o.html"><span style="font-family:verdana;font-size:85%;"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">REVOLUÇÃO DE 1924</span></span></a><span style="font-family:verdana;font-size:85%;">, cujos bombardeios governistas à cidade de São Paulo resultaram na morte de mais de 500 pessoas</span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-32010775387319826712008-12-29T17:10:00.072-02:002011-08-15T11:35:12.928-03:00ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA<div align="justify"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SVlCu7Y1G9I/AAAAAAAABNs/im4OwtlNBX8/s1600-h/abraco.gif"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5285329011679239122" src="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SVlCu7Y1G9I/AAAAAAAABNs/im4OwtlNBX8/s400/abraco.gif" style="cursor: hand; display: block; height: 315px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 245px;" /></a><br />
<div align="justify">A partir do dia primeiro de janeiro de 2009 entram em vigor, no Brasil, as novas regras de ortografia da língua portuguesa. Supressão do trema, adoção de novas letras (k, y e w), mudanças na acentuação das palavras, enfim, uma larga gama de alterações. </div><div align="justify"></div><br />
<div align="justify">O blog não pretende tratar especificamente das inovações ortográficas, seja pela atecnia dos seus autores, seja porque, em pesquisas que fizemos, encontramos vários trabalhos interessantes disponibilizados na grande rede, e que prestam o relevante serviço de explicar, ora com alguma profundidade, ora superficialmente, as mudanças. Resta-nos, além de deixar algumas observações, indicar links com conteúdo sobre a matéria.</div><div align="justify"><strong></strong></div><div align="justify"><strong>Quando as alterações entram em vigor.</strong> As novas regras passam a valer já no raiar de 2009. Entretanto o decreto instituidor estabeleceu um período de quatro anos "...<em>durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida..</em>." Somente em 2013 as alterações entrarão plenamente <em>em vigor. </em>Até lá, as inovações não poderão, por exemplo, ser objeto de discussão em questões de concursos públicos. Não "<em>escreverá errado</em>" aquele que se mantiver fiel, até o último dia do ano de 2012, à ortografia do pré-acordo. </div><div align="justify"></div><br />
<div align="justify"><strong>Uso das novas regras em documentos oficiais.</strong> Parece-nos equivocada a menção trazida na contracapa do livro "ESCREVENDO PELA NOVA ORTOGRAFIA" (veja imagem e outras informações na coluna ao lado), no sentido de que as novas regras <em>passariam a valer </em>já em 2009 para os "...<em>documentos oficiais </em>(...) <em>e para a mídia</em>...". Bem ao contrário, o Decreto 6.583/08, que inseriu as regras do Acordo no nosso Direito Positivo, silencia a respeito da exceção indevidamente noticiada e, nessa eloquente omissão, não impõe que a produção de textos oficiais, ou mesmo, nos órgãos de mídia (jornais, editoras não voltadas para livros pedagógicos), devesse observar o comando das novas regras. Ou seja: Mídia e agentes públicos estão sob o pálio do permissivo do "...<em>período de transição</em>..." que o decreto estabeleceu e lhes concede a faculdade de opção por um ou outro sistema. </div><div align="justify"></div><br />
<div align="justify">Tanto é que, como noticiam hoje os jornais Folha de S. Paulo e O Globo, Governo Federal e Poder Legislativo Federal continuarão, ao menos por ora, a adotar a velha ortografia, escolha que não renderá ensejo a nulidade jurídica. Quem andou bem e rápido foi o Supremo Tribunal Federal, que treinou por três meses técnicos e revisores para que seus documentos passem a ser redigidos de acordo com o Acordo.</div><div align="justify"></div><br />
<div align="justify">Neste passo, não poderíamos deixar de lembrar que as normas jurídicas que versam sobre ortografia se encaixam naquele tipo de regra que os juristas qualificam, desde os romanos, de <em>lei absolutamente imperfeita. </em>Isto porque seu descumprimento não enseja punição. Como já se disse em relação aos péssimos textos: </div><div align="justify">"-<em>A sorte de quem o cometeu é não existir pena para erros de ortografia." </em></div></div><div align="justify"></div><br />
<div align="justify">Também não nos parece correta a visão do presidente da Comissão de Lingua Portuguesa, do Ministério da Educação, GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO, para quem "...<em>o acordo vale a partir de 1o. de janeiro, quando as mudanças <strong>deverão</strong> ser adotadas por todos os brasileiros</em>..." (Folha de S. Paulo, 30.12.08). Ao se postar assim o intelectual manda às favas o inequívoco comando que institui a <em>coexistência </em>de dois sistemas ortográficos, ambos válidos, no <em>período de transição</em>.</div><div align="justify"></div><br />
<div align="justify">Mas o certo é que os fatos sinalizam que a mudança veio prá ficar e não enfrentará restrições ou intransigência da mídia, intelectualidade ou leitores, de molde a inviabilizá-la. Os grandes órgãos da imprensa escrita (Folha, Estado exemplificativamente) já definiram que adotarão as novas regras já no primeiro de janeiro. O Globo, a partir de 5 de janeiro. Saramago, único Nobel de Literatura na Língua Portuguesa, que a princípio não via como necessária a reforma, culminou por reconhecer sua vantagem na ampliação do universo dos leitores (veja, abaixo, o texto).</div><br />
<div align="justify"><strong>A Estrutura do Acordo Ortográfico. </strong>As alterações resultantes do "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" estão registradas em dois textos básicos denominados ANEXO 1 e ANEXO 2. </div><div align="justify">O primeiro Anexo vem dividido em 21 <em>BASES</em>. Cada uma das <em>bases </em>trata de um tópico específico das mudanças (<em>Base 1</em>: Inclusão de letras e grafia de nomes próprios estrangeiros; <em>Base 2</em>: Uso do <em>h; Base XIV</em>: Uso do Trema; etc.). Esse texto traz a essência do o acordo. </div><div align="justify">O segundo ANEXO traz, como consta do documento que corporifica o acordo, uma <em>NOTA EXPLICATIVA</em>. </div><div align="justify">Ou seja: Tudo, mas tudo mesmo, do que se fala e se escreve sobre o acordo ortográfico está contido nestes dois textos. O que vocês verão adiante são livros, quadros, resumos, sinopses, etc., todos eles escritos com esteio e fonte no que consta dos dois ANEXOS. </div><br />
<div align="justify"></div><div align="justify"><strong>Estilística.</strong> Com atrevimento, ousamos opinar: embalde a coexistência de dois sistemas ortográficos, no período de transição, ao redator convirá, nesta fase de consolidação da reforma ortográfica (os quatro anos entre 2009/2012), optar por um ou outro sistema. Não cabe, aqui, colocar um pé em cada canoa. </div><div align="justify"></div><div align="justify">Alguns links com textos que explicam as novas regras ortográficas:</div><div align="justify"><blockquote></blockquote></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">"<a href="http://www.livrariamelhoramentos.com.br/Guia_Reforma_Ortografica_Melhoramentos.pdf">GUIA PRÁTICO DA NOVA ORTOGRAFIA</a> - Saiba o que mudou na ortografia brasileira." Pequeno livro de Elias Tufano. Editado pela MICHAELIS, o trabalho pode ser visto e baixado no portal da Livraria Melhoramentos.</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">"<a href="http://g1.globo.com/FlashShow/0,,16495,00.swf">REFORMA ORTOGRÁFICA</a>", <em>slide-show </em>do portal globo.com </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">"<a href="http://download.globo.com/vestibular/Guia_rapido_do_G1_sobre_o_acordoOrtografico.pdf">O QUE MUDA COM O ACORDO ORTOGRÁFICO</a>". Tabela enxutíssima produzida pelo portal globo.com</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">"<a href="http://www.cplp.org/Admin/Public/DWSDownload.aspx?File=%2FFiles%2FFiler%2Fcplp%2FAcordos%2FmaisAcordos%2FAcordoOrtogrLinguaPortug.pdf">ANEXO 1</a>". Disponibilizado no portal da <a href="http://www.cplp.org/">CLPP</a> - Comunidade dos Países da Língua Portuguesa.</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">"<a href="http://www.priberam.pt/docs/AcOrtog90.pdf">ANEXOS 1 e 2</a>". Em PDF, disponibilizado no sítio da <a href="http://www.priberam.pt/">PRIMERAM</a>, empresa do ramo de tecnologia da informação.</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">"<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6583.htm">Decreto 6.583/08</a>." Ato de promulgação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Traz o Acordo de 1990 e os Anexos 1 e 2.</div><div align="justify"><a href="http://cbn.globoradio.globo.com/cbn/wma/player_gradio.asp?audio=2008/noticias/pasquale_081215.wma&OAS_sitepage=sgr/sgr/radioclick/radiosam/cbn/busca">ENTREVISTA COM O PROFESSOR PASQUALE CIPRO NETO, PARA A JORNALISTA FABÍOLA CEDRAL (RÁDIO CBN</a>)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Por fim, um bom livro a respeito, que trata o tema em maior profundidade, com interessante escorso histórico e sem abandonar a boa didática, é "ESCREVENDO PELA NOVA ORTOGRAFIA", edição conjunta do Instituto Houaiss e Publifolha (veja imagem da capa na coluna ao lado). </div><br />
<div align="justify"><span style="font-family: arial; font-size: 85%;"><strong>ILUSTRAÇÃO extraída do blog </strong></span><a href="http://tapanacara.com.br/blog/2008/05/reforma_ortografica_as_mudanca.html"><span style="font-family: arial; font-size: 85%;"><strong>Tapa na Cara</strong></span></a><span style="font-family: arial; font-size: 85%;"><strong>. </strong></span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-11393400546153484442008-12-25T20:16:00.012-02:002008-12-25T22:50:02.844-02:00O NOME DA COISA<a href="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SVQThISYfDI/AAAAAAAABNM/pcgyYDmmfjc/s1600-h/naming2.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5283869722693631026" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 173px; CURSOR: hand; HEIGHT: 130px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SVQThISYfDI/AAAAAAAABNM/pcgyYDmmfjc/s400/naming2.JPG" border="0" /></a><br /><div></div><div></div><div><span style="font-family:verdana;font-size:85%;">A correria de natal poderá fazer ter passado desapercebida uma interessante reportagem de DANIELA ARRAIS, publicada no Caderno Informática da Folha de S. Paulo do dia 24.12.08, que trata do complexo processo de escolha de nomes de empresas, mercadorias e serviços. Por isso, transcrevemos, prá vocês, parte da matéria. O processo de batismo, conta a repórter, não se faz aleatoriamente ou por simples afeição, mas envolve pesquisas e estudos lingüísticos aprofundados. Como relata a matéria, a empresa LEXICON BRANDING, uma das mais requisitadas nesta seara conta com "...<em>80 lingüistas espalhados por 40 países ao redor do mundo..." </em></span></div><div><span style="font-family:verdana;font-size:85%;">A reportagem traz entrevista com um bambambam no <em>naming (</em>termo inglês que define o processo de criação e pesquisa de nomes)<em> </em>e conta curiosidades sobre o surgimento das marcas de empresas e produtos voltados para o mundo da telemática. Leia, adiante trechos da matéria: </span></div><div><blockquote></blockquote></div><div align="center"><strong>O QUE HÁ POR TRAZ DE UM NOME</strong></div><div align="justify"></div><div align="justify">São 26 as letras do alfabeto inglês, mas infinitas as combinações que podem ser feitas com elas. Diversas empresas de tecnologia trabalham duro para criar nomes que caiam na boca do povo e se transformem em referência. Afinal, muita gente quer um iPod, e não um Zune, prefere o Orkut ao Facebook e assim por diante.</div><div><br /></div><div align="justify">É pelo nome que uma marca começa a vender sua filosofia. E o processo para chegar a ele é trabalhoso. O nome tem que ser original, criativo, único; deve transmitir o conceito do produto e não pode ser ofensivo a um determinado grupo.</div><div align="justify"></div><div><br /></div><div align="justify">"O nome tem que ser único e diferente de todo o resto. Tem que ser apelativo, inspirador, sem ser completamente descritivo. Não pode entrar na vala do vulgar, do comum, do usual", afirma Vanessa Pasquini, especialista em "naming".</div><div><br /></div><div align="justify">Segundo ela, o processo envolve pesquisas, busca de referências e entrevista com consumidores. "O primeiro passo é saber se o nome pode ser registrado. Também pensamos como o nome será visto em diversos países", diz. "O nome é uma convergência de significados, letras, sons, cores, texturas, associações. É um trabalho ao mesmo tempo muito criativo e muito técnico."</div><div><br /></div><div align="justify"></div><div align="justify">David Placek, especialista norte-americano que criou nomes como BlackBerry -o onipresente celular especializado em e-mails- e Zune -a tentativa da Microsoft de enfrentar o iPod-, ressalta o caráter duradouro do nome. "Olhando a competição, a longo prazo o nome é a única coisa que não podem tirar você. Podem até mexer com cores, padrões, logotipos, mas o nome você pode proteger pelo tempo que durar o produto", diz.</div><div><br /></div><div align="justify">A criação de um nome de uma marca também pode seguir caminhos inusitados e bem mais simples. Reza a lenda que o nome Apple surgiu quando, depois de três meses de trabalho, Steve Jobs decretou: "Se não me entregarem um nome até as cinco da tarde, a empresa vai ter o nome da minha fruta favorita, maçã."</div><div><br /></div><div align="justify">Já a Adobe, empresa que faz programas como o Photoshop, teve seu nome tirado do rio Adobe Creek, que corria nos fundos da casa do fundador da empresa, John Warnock. </div><div align="justify"><span style="font-size:78%;">(...)</span></div><div align="justify">Para dar nome a uma marca, David Placek conta com uma equipe de 26 pessoas em seu escritório, o Lexicon Branding, sediado em Sausalito, Califórnia. Mais 80 lingüistas espalhados por 40 países ao redor do mundo fazem análises para garantir que uma palavra em inglês, por exemplo, não tem uma conotação completamente negativa quando levada para outra cultura. </div><div><br /></div><div align="justify">O processo, chamado de "naming", é requisitado por grandes empresas, como Apple, Microsoft e RIM. PowerBook, Zune e BlackBerry, produtos dessas três marcas, foram nomeados por Placek e sua equipe ao longo de 26 anos de atividade -no total, ele estima já ter dado nome a 2.000 negócios. Na entrevista concedida à Folha por telefone, ele detalha como é feito o trabalho."</div><div><br /></div><div align="justify"><strong><span style="font-family:verdana;font-size:85%;">(Clique para ler a íntera da </span></strong><a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr2412200802.htm"><strong><span style="font-family:verdana;font-size:85%;color:#ffff99;">ENTREVISTA</span></strong></a><strong><span style="font-family:verdana;font-size:85%;"><span style="color:#ffff99;"> </span>de David Placek publicada na Folha de S. Paulo - exclusivo, lamentavelmente, para assinantes do Jornal ou do provedor UOL.) </span></strong></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-80574786817625493712008-12-16T19:46:00.024-02:002009-07-03T15:39:42.547-03:00MISSA DO GALO, por FREI BETTO - Uma reflexão sobre o natal.<div align="right"><span style="color:#66ffff;"></span><a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SUgmTQJhbaI/AAAAAAAABMg/rhUlgNjnSBM/s1600-h/frei+betto.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5280512675286183330" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 150px; CURSOR: hand; HEIGHT: 108px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SUgmTQJhbaI/AAAAAAAABMg/rhUlgNjnSBM/s400/frei+betto.jpg" border="0" /></a><span style="font-family:trebuchet ms;"><strong> </strong></span><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:85%;"><strong>O texto abaixo foi publicado em 25.12.2006 na seção Tendências/Debates da Folha de S. Paulo. O Autor, CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, o Frei Betto, 64 anos, é frade dominicano e escritor. </strong><br /></span><br /><blockquote><p align="center"><span style="font-size:130%;">MISSA DO GALO</span></p></blockquote><div align="justify"><span>NATAL É UMA FESTA POLÍSSÊMICA. De certo modo, desconfortável. Para os cristãos, comemoração do nascimento de Jesus, Deus feito homem. Para a indústria e o comércio, privilegiada ocasião de promissoras vendas. Para uns tantos, miniférias de fim de ano. Para o peru, Dia de Finados. </span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span> </div><div align="justify"><span>O desconforto resulta da obrigatoriedade de dar presentes a quem não amamos, mal conhecemos ou fingimos amizade. Transferido o presépio de Belém para o balcão das lojas, substituído Jesus por Papai Noel, a festa perde progressivamente seu caráter religioso. O Menino da manjedoura, que evoca o sentido da existência, cede lugar ao velho barbudo e barrigudo, que simboliza o fetiche da mercadoria. </span></div><div align="justify"><span></span></div><br /><div align="justify"><span>O olhar desavisado diria que o consumismo hedonista nos despe da religiosidade. A Missa do Galo, outrora à meia-noite de 25/12, reduz-se ao galeto das celebrações, às 20h ou 21h, antecipando-se à madrugada que favorece a violência urbana. O apetite da ceia e a curiosidade de abrir presentes falam mais alto que bons e velhos costumes: a oração em família, os cânticos litúrgicos, as narrativas bíblicas e a memória dos eventos paradigmáticos de Belém da Judéia.<br /></span></div><div align="justify"><span></span> </div><div align="justify"><span>Uma atualização dos eventos bíblicos permite-nos imaginar, a partir do contexto brasileiro, o leitor do "Diário de Belém", edição de 26/12/1, perante a seguinte notícia: "Família de sem-terra ocupou ontem a fazenda Estrela de Davi, em cujo curral uma tal Maria, esposa do carpinteiro José, deu à luz o filho Jesus. A polícia de Herodes está no encalço dos sem-terra, que se encontram foragidos". </span></div><div align="justify"><span></span></div><br /><div align="justify"><span>A abstração da linguagem, contudo, faz do pseudolirismo natalino o inverso do que o fato histórico significa -o Verbo encarnado perde sua contundência e cede lugar ao presépio descontextualizado, mero adorno à festa papainoélica. Em "Memórias de Adriano", Marguerite Yourcenar capta um momento singular da história do Ocidente, o século 2 -os deuses gregos e romanos declinavam, e a moral cristã, impregnada de platonismo, ainda não se impunha às consciências. </span></div><div align="justify"><span></span></div><br /><div align="justify"><span>Vivemos hoje algo parecido. Assolados por fortes ventos esotéricos, numa época epifânica, em que as religiões tendem a ocupar o lugar deixado pelas ideologias messiânicas, assistimos à crise das igrejas tradicionais, encerradas num monólogo ininteligível para o contexto de pluralismo e tolerância com o diferente. A perplexidade assemelha-se à da professora de piano clássico que vê seus alunos preferirem os metaleiros. </span></div><div align="justify"><span></span></div><br /><div align="justify"><span>Proliferam-se novas modalidades de aspirar ao transcendente, da aeróbica litúrgica às meditações orientais. Nunca houve, na expressão de Rimbaud, tanta "gula de Deus". "I Ching", astrologia, búzios, tarô etc. são vias pelas quais se busca segurança ante o futuro imprevisível. Já não há tanto interesse pelas religiões das grandes narrativas bíblicas, da santidade ascética, da autoridade sacralizada, da moral coercitiva, da escatologia que nos faz trafegar, titubeantes, sobre o fio invisível que liga o céu ao inferno. </span></div><div align="justify"><span></span></div><br /><div align="justify"><span>Predominam as religiões do consolo subjetivo, da alegria d'alma, da cura imediata, dos fenômenos paranormais, da comunidade que se sente resgatada do anonimato, de bênçãos e graças que jorram tal juro de quem crê na versão pós-moderna do dilema "a bolsa ou a vida". Vigora a religiosidade "prêt-à-porter", sem culpa, macroecumênica, fundada na crença em um Deus que dispensa hierarquias, manifesta-se pelas regras de ouro do marketing e tolera as incoerências. </span></div><br /><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span>Talvez não haja, na literatura brasileira, quem melhor tenha captado o sentido do Natal que Machado de Assis, no clássico conto </span><a href="http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000223.pdf"><span><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">"Missa do Galo"</span></span></a><span>. Não há propriamente missa, apenas a espera ansiosa num serão que progressivamente transmuta, aos olhos de Nogueira, rapaz de 17 anos, a anfitriã Conceição, que atingira os 30. </span></div><br /><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span>Machado faz do coração do jovem narrador um profundo e aquiescente presépio, onde a vida renasce no sutil milagre do amor desinteressado. Um gosto de eternidade. De eterna idade. No entanto, quebrado pelo tempo que flui incoercível ao ritmo implacável das horas. Na sala, a missa em torno da musa antecede e realiza a comunhão, eclodindo na beleza de um singelo encontro entre duas pessoas. </span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span> </div><div align="justify"><span>Isso é Natal. Uma festa rara no mais profundo de si mesmo, na qual as pessoas se fazem presentes umas às outras e entre as quais o amor refulge como uma estrela. Essa festa não tem data e é celebrada, repete-se sempre que há encontro em clima de afeto e sabor de comunhão. Ali, as palavras são como barbante de presente desfeito pelas mãos de uma criança: a cada nó desfeito, uma expectativa de surpreendente revelação.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:verdana;font-size:78%;"><strong>ILUSTRAÇÃO: Frei Betto.</strong></span></div><div align="justify"><span style="font-size:78%;"><br /></span></div><div align="justify"><span style="font-family:Arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><strong><span style="font-family:trebuchet ms;"></span><span style="font-family:verdana;font-size:85%;">UMA ATUALIZAÇÃO: Veja o artigo </span></strong><a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2512200808.htm"><strong><span style="font-family:verdana;font-size:85%;"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">"Feliz Natal"</span></span></strong></a><strong><span style="font-family:verdana;font-size:85%;">, de Frei Betto , publicado em 25.12.08, na Folha - exclusivo, lamentavelmente, para assinantes do Jornal ou do provedor UOL. </span></strong></div></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-49321788455732668672008-12-15T12:57:00.029-02:002009-07-03T15:40:41.741-03:00"A CATÁSTROFE DOS CURSOS DE LETRAS" - Artigo de Marcos Bagno<a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SUaKJpte34I/AAAAAAAABKk/XbLvm3xXmMI/s1600-h/marcos+bagno.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5280059511558561666" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 102px; CURSOR: hand; HEIGHT: 130px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SUaKJpte34I/AAAAAAAABKk/XbLvm3xXmMI/s400/marcos+bagno.jpg" border="0" /></a> <div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">Leia, abaixo, preocupante reflexão do escritor, lingüista e professor universitário MARCOS BAGNO, publicada na Revista "Caros Amigos", edição de novembro de 2008.<br />No texto ele descreve a lástima que é o processo de formação dos professores de português, muito em razão da pouca familiaridade que os alunos têm com a língua portuguesa ("...<em>Só na faculdade é que a maioria deles vai ler, pela primeira vez na vida, um romance inteiro ou um texto teórico</em>..."). Critica as mazelas do ensino público ("...<em>essa tragédia ecológica brasileira muito pior que as queimadas na Amazônia</em>..."), menciona a indigência técnica das teses de conclusão de curso ("...<em>aprovadas alegre e irresponsavelmente por seus supostos orientadores</em>...) e indica, como uma das propostas para rematar a desgraça que disseca, a realização de cursos intensivos, onde os alunos sejam submetidos por dois anos seguidos a, apenas, leitura e produção de textos, ("...<em>muita leitura e muita produção de textos</em>..."), para só então, virem a conhecer as teorias.</div><div align="justify"><blockquote></blockquote></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="center"></div><div align="center"><strong><span style="font-size:130%;"></span></strong></div><div align="center"><strong><span style="font-size:130%;">A CATÁSTROFE DOS CURSOS DE LETRAS</span></strong></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span>A formação dos professores de português, hoje, no Brasil, é uma catástrofe. Nós, os responsáveis pelos cursos de Letras, não enxergamos a bomba-relógio que temos nas mãos. As estatísticas não mentem: a retumbante maioria dos estudantes de Letras vêm de camadas sociais pobres ou mesmo miseráveis, filhos de pais analfabetos ou que têm escolarização inferior a quatro anos. Isso significa muita coisa. Significa que esses estudantes têm um histórico de letramento muito reduzido: no ambiente familiar, não convivem com a cultura letrada, não têm acesso a livros, revistas, enciclopédias etc. Significa que não são falantes das normas urbanas de prestígio (as mesmas que supostamente terão de ensinar a seus futuros alunos) e têm domínio escasso da leitura e da escrita. Só na faculdade é que a maioria deles vai ler, pela primeira vez na vida, um romance inteiro ou um texto teórico. Vêm, quase todos, do ensino público, essa tragédia ecológica brasileira muito pior que as queimadas na Amazônia. Nós, porém, fingimos que eles são ótimos leitores e redatores, e despejamos sobre eles, logo no primeiro semestre, teorias sofisticadas, que exigem alto poder de abstração e familiaridade com a reflexão filosófica, e textos de literatura clássica, escritos numa língua que para eles é quase estrangeira. E assim vamos nos iludindo e iludindo os estudantes.<br />O resultado é que os estudantes de Letras saem diplomados sem saber lingüística, sem saber teoria e crítica literária e sem saber escrever um texto acadêmico com pé e cabeça. Todos os dias, recebo mensagens de formandos que me pedem orientação para seus trabalhos finais. Alguns até me enviam seus projetos. São textos repletos de erros primários de ortografia, pontuação, sintaxe, vocabulário, com frases truncadas e sem sentido. Assim eles chegam ao final do curso, e suas monografias, mal escritas, sem nenhum rigor teórico ou metodológico, são aprovadas alegre e irresponsavelmente por seus supostos orientadores.<br />O problema, é claro, não está no fato (que merece comemoração) de acolhermos na universidade alunos vindos das camadas mais desfavorecidas da população. O problema é não oferecermos a eles condições de, primeiro, se familiarizar com o mundo acadêmico, que lhes é totalmente estranho, por meio de cursos intensivos (e exclusivos) de leitura e produção de textos, de muita leitura e muita produção de textos, para só depois desses (no mínimo) dois anos de preparação eles poderem começar a adentrar o terreno das teorias, das reflexões filosóficas, da alta literatura. Se não fizermos isso urgentemente (anteontem!), as salas de aula do ensino básico estarão ocupadas por professores que, mal sabendo ler e escrever adequadamente, não poderão desempenhar sua principal tarefa: ensinar a ler e a escrever adequadamente! Não sei, aliás, por que escrevi "estarão ocupadas": elas já estão ocupadas, neste momento, por essas pessoas, de quem se cobra tanto e a quem não se oferece uma formação docente que também seja, minimamente, decente.</span></div><div align="justify"><blockquote></blockquote></div><div align="justify">Vale a pena ir ao portal do professor MARCOS BAGNO, para conhecer mais do seu trabalho “...<em>contra a discriminação social por meio da linguagem</em>....". Para BAGNO, como definido na abertura do portal "...<em>o preconceito lingüístico precisa ser reconhecido, denunciado e combatido, porque é uma das formas mais sutis e perversas de exclusão social." (<a href="http://www.marcosbagno.com.br/index.htm"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">CLIQUE AQUI</span></a></em> para acessar).</div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:85%;"><strong><span style="font-size:78%;">ILUSTRAÇÃO: O autor do texto, Carlos Bagno.</span></strong></span></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-56294018287394348452008-11-30T09:20:00.029-02:002008-12-19T22:07:08.894-02:00SARAMAGO: "A HISTÓRIA DA HUMANIDADE É UM DESASTRE CONTÍNUO" - SABATINA NA "FOLHA DE SÃO PAULO"<a href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/STKBdbn417I/AAAAAAAAA3g/m2rziCVKNVI/s1600-h/saramago+3.jpg"></a><div><a href="http://mais.uol.com.br/view/1xu2xa5tnz3h/sabatina-da-folha-de-s-paulo-com-jose-saramago-04023772E4C13326?types=A"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5274420192320537538" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 122px; CURSOR: hand; HEIGHT: 118px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/STKBOEdpw8I/AAAAAAAAA3Y/JGWrnppUUJQ/s400/saramago+2.jpg" border="0" /></a> <div><div><div align="justify">JOSÉ SARAMAGO, <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_0"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_0">Prêmio</span></span> Nobel de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_1">Literatura</span>, o único ganhador deste <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_1">laurel</span></span> que escreve em língua portuguesa, foi <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2">sabatinado</span></span> pelo jornal "FOLHA DE SÃO PAULO", quando brindou seus interlocutores e público com opiniões incisivas, instigantes e lúcidas. Deus, Bíblia, acordo ortográfico, marxismo, literatura brasileira, estes os temas principais abordados por Saramago. Se quiser assistir ao vídeo da <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3">sabatina</span></span>, clique na ilustração acima (1h30 de duração; se preferir, há, na pagina da Folha - à direita da tela - <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_5"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4">seleção</span></span> dos tópicos por assunto, em blocos curtos). </div><div align="justify">Adiante, a suma da reportagem publicada na Folha do dia 29.11.08, com pequenas modificações de pontuação e destaques em negrito, para adaptar o texto a este espaço. <blockquote></blockquote><div></div><div><span style="font-size:130%;"><span style="font-size:180%;">"</span>HUMANIDADE: </span>A história da humanidade é um desastre contínuo. Nunca houve nada que se parecesse com um momento de paz. Se ainda fosse só a guerra, em que as pessoas se enfrentam ou são obrigadas a se enfrentar... Mas não é só isso. Esta raiva que no fundo há em mim, uma espécie de raiva às vezes <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_6">incontida</span></span>, é porque nós não merecemos a vida. Não a merecemos. <strong>Não se percebeu ainda que o instinto serve melhor aos animais do que a razão serve ao homem</strong>. O animal, para se alimentar, tem que matar o outro animal. Mas nós não, nós matamos por prazer, por gosto. Se fizermos um cálculo de quantos <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7">delinqüentes</span></span> vivem no mundo, deve ser um número fabuloso. Vivemos na violência. Não usamos a razão para defender a vida; usamos a razão para destruí-la de todas as maneiras -no plano privado e no plano público.</div><div></div><div><span style="font-size:130%;">MARXISMO HORMONAL:</span> Desde muito novo orientei-me para a consciência de que o mundo está errado. Não importa aqui qual foi o grau da minha militância todos esses anos. O que importa é que o mundo estava errado, e eu queria fazer coisas para modificá-lo. O espaço ideológico e político em que se esperava encontrar alguma coisa que confirmasse essa <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_9"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8">idéia</span></span> era, é claro, a esquerda comunista. Para aí fui e aí estou. Sou aquilo que se pode chamar de comunista hormonal. O que isso quer dizer? Assim como tenho no corpo um <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_9">hormônio</span></span> que me faz crescer a barba, há outro que me obriga a ser comunista. </div><div></div><div><span style="font-size:130%;">CRISE <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_11"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10">ATUAL</span></span>:</span> <strong>Marx nunca teve tanta razão quanto agora.</strong> O trabalho <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_12"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_11">constrói</span></span>, e a privação dele é uma espécie de trauma. Vamos ver o que acontece agora com os milhões de pessoas que vão ficar sem emprego. A chamada classe média acabou. Ou melhor: está em processo de desagregação. Falava-se em dois anos [para a recuperação da economia depois da crise financeira]; agora já se fala em três. Veremos se Marx tem ou não razão. </div><div></div><div><span style="font-size:130%;">DEUS:</span> Por que eu teria de mudar [a concepção de Deus após a doença]? Porque supostamente me salvou a vida? Quem me salvou foram os médicos e a minha mulher. E Deus se esqueceu de Santa Catarina? <strong>Não quero ofender ninguém, mas Deus não existe. Salvo na cabeça das pessoas, onde está o diabo, o mal e o bem. </strong>Inventamos Deus porque tínhamos medo de morrer, acreditávamos que talvez houvesse uma segunda vida. Inventamos o inferno, o paraíso e o purgatório.</div><div></div><div><span style="font-size:130%;">IGREJA, BÍBLIA:</span> Quando a igreja inventou o pecado, <strong>inventou um instrumento de controle, não tanto das almas, porque à igreja não importam as almas, mas dos corpos.</strong> O sonho da igreja sempre foi nos transformar em eunucos. A Bíblia foi escrita ao longo de 2.000 anos e não é um livro que se possa deixar nas mãos de um inocente. Só tem maus conselhos, assassinatos, <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_13"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_12">incestos</span></span>...</div><div></div><div><span style="font-size:130%;">ACORDO ORTOGRÁFICO:</span> Em princípio, não me parecia necessário. De toda forma, continuaríamos a nos entender. O que me fez mudar de opinião foi a <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_14"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_13">idéia</span></span> de que, se o português quer ganhar influência no mundo, tem de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_15"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_14">adotar</span></span> uma grafia única. Se Portugal tivesse 140 milhões de habitantes, provavelmente teríamos imposto ao Brasil a nossa grafia. Acontecem que os 140 milhões estão no Brasil, e o Brasil tem mais presença internacional. Perderíamos muito com a <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_16"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_15">idéia</span></span> de que o português é nosso, nós o tornaríamos uma língua que ninguém fala. Quando acabou o "<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_17"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_16">ph</span></span>", não consta que tenha havido uma revolução. </div></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">LITERATURA BRASILEIRA:</span> Houve um tempo em que os autores brasileiros estavam presentes em Portugal, e em alguns casos podíamos dizer que conhecíamos tão bem a literatura brasileira quanto a portuguesa. <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_18"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_17">Graciliano</span></span> Ramos, Jorge Amado, os poetas, como João Cabral [de Melo Neto], Manuel Bandeira, essa gente era lida com paixão. Para nós, aquilo representava a voz do Brasil. Agora, que eu saiba, não há nenhum escritor brasileiro que seja lido com paixão em Portugal. Culpo a mim, talvez, por não ter a curiosidade. Mas também não temos a obrigação de descobrir que nem sabemos se existe.<span style="font-size:180%;">"</span> </div></div></div></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-64950678633645206922008-11-24T19:46:00.012-02:002012-07-10T10:32:19.737-03:00BIBLIOTECA DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO - UMA REPORTAGEM DE "O ESTADO DE SÃO PAULO"<a href="http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081123/not_imp282135,0.php"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5272354741302689618" src="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SSsqs_0xf1I/AAAAAAAAA3A/8emIF8bjxqE/s400/mosteiro3.jpg" style="cursor: hand; display: block; height: 95px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 143px;" /></a><br />
<div align="justify">
Selecionamos uma interessante reportagem sobre a Biblioteca do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Detalhes sobre o processo de digitalização do acervo de 100 mil obras, algumas delas raríssimas, que de tão antigas, não recebem selos nos tombos, e são catalogadas através de tiras de papéis, colocados entre a capa e folha seguinte. A matéria dá conta da vocação e compromisso dos monges beneditinos com a leitura, refere à possibilidade da existência de uma biblioteca já na fundação do Mosteiro, em 1598, e mostra como os bibliotecários se prepararam para receber o Papa Bento XVI, em sua estada de três noites no Mosteiro.<br />
Publicado no jornal "O ESTADO DE SÃO PAULO" de 23 de novembro de 2008, a reportagem é assinada por Edison Veiga. A edição impressa traz boas fotos, que mostram o interior da biblioteca. <b><span style="color: lime;">Clique na imagem acima</span></b> e aproveite o texto, diretamente do portal do Estado. </div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-81729635854655026022008-11-21T19:17:00.016-02:002009-07-03T15:46:56.319-03:00"O TIGRE BRANCO" - UM TRECHO (2) - AS CASTAS<a href="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SScpOOcCG6I/AAAAAAAAA2g/i2I0LGPktTk/s1600-h/castas.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5271227213231037346" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 275px; CURSOR: hand; HEIGHT: 400px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SScpOOcCG6I/AAAAAAAAA2g/i2I0LGPktTk/s400/castas.jpg" border="0" /></a><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"> </span></a><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><blockquote><p align="justify">Reproduzimos, adiante, uma passagem onde o autor, Aravind Adiga, transmite as<br />impressões do protagonista sobre as castas, autêntica jabuticaba indiana: </p></blockquote><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span></span></div><div align="justify"><span><span style="font-size:130%;">"</span>Preciso explicar umas coisinhas sobre as castas. Até os indianos se atrapalham com essa palavra, principalmente os mais educados, que vivem nas cidades grandes. Fariam a maior confusão se tentassem explicar isso a V. Exa. Mas, na verdade, é bem simples.<br />Vamos começar por mim.<br />Veja, o meu sobrenome, Halwai, significa 'fabricante de doces'.<br />Esta é a minha casta, o meu destino. Lá na Escuridão, qualquer um que ouça esse nome saberá de imediato tudo a meu respeito. É por isso que Kishan e eu saíamos arranjando emprego em confeitarias por onde quer que passássemos. O dono pensava: 'Ah, eles são halwais; fazer doces e chá está no seu sangue.'<br />Mas, se éramos halwais, então por que meu pai era condutor de riquixá em vez de trabalhar fazendo doces? Por que cresci quebrando carvão e limpando mesas em vez de ficar comendo Bulab jamuns e outros doces onde e quando quisesse? Por que eu era magro, de pele escura, sonso, e não gordo, de pele clara, sorridente como deveria ser um menino criado à base de doces?<br />Veja bem, este país, em seus dias de glória, quando era a nação mais rica da Terra, parecia até um zoológico. Um zoológico limpinho e bem-arrumado. Todos tinham o seu lugar e viviam felizes. Os ourives aqui; os criadores de gado ali; os grandes proprietários acolá. Quem era chamado de halwai fazia doces. Quem era chamado de criador de gado criava gado. Os intocáveis limpavam merda. Os grandes proprietários eram bondosos para com seus servos. As mulheres cobriam a cabeça com um véu e baixavam os olhos quando falavam com estranhos.<br />Até que, graças àqueles políticos lá de Déli, no dia 15 de agosto de 1947 - dia em que os britânicos foram embora -, todas as jaulas foram abertas. Aí, os animais começaram a se atacar e a se destroçar mutuamente, e a lei da selva substituiu a lei do zoológico. Os mais ferozes, mais famintos, devoraram todos os demais e ficaram barrigudos. Agora, só isso tinha importância: o tamanho da barriga. Pouco importava que fosse uma mulher, um muçulmano ou um intocável: qualquer um com a barriga avantajada subia na vida. O pai do meu pai pode ter sido um halwai de verdade, um fabricante de doces, mas, quando ele herdou a loja, um membro de qualquer outra casta deve ter vindo roubá-Ia, com a ajuda da polícia. E meu pai não tinha a barriga necessária para reagir. Foi por isso que caiu na lama, que acabou no nível dos condutores de riquixá. Foi isso que me desviou do meu destino, que era ser gordo, de pele clara e sorridente.<br />Resumindo: antigamente, havia mil castas e destinos na Índia. Hoje, só há duas castas: a dos homens barrigudos e a dos homens sem barriga. E apenas dois destinos: devorar ou ser devorado.<span style="font-size:130%;">"</span></span></div><div align="justify"><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"><span></span></span></a></div><div align="justify"><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"><span></span></span></a></div><div align="justify"><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"></span></span></a></div><div align="justify"><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"></span></span></a></div><div align="justify"><span style="font-size:85%;color:#ffffff;"><blockquote><div align="justify"><span style="font-size:85%;"><span><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">ILUSTRAÇÃO: Representação das quatro principais castas do hinduísmo em torno do deus Ganesha. (Fonte: </span></a></span><span><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">Wilypédia.pt</span></a></span><span><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"> </span></a></span></span><span style="font-size:85%;"><span><a href="http://avidaeumpalco.com/?p=353"><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;">)</span></a></span> </span></div></blockquote></span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-24323607374251682902008-11-18T18:41:00.018-02:002009-07-03T15:48:05.268-03:00"O TIGRE BRANCO" - Aravind Adiga - UM TRECHO<div align="justify"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SSQ_rpFt4MI/AAAAAAAAA2A/qimE_2kEYM0/s1600-h/tigre+branco4+testest.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5270407482927079618" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 300px; CURSOR: hand; HEIGHT: 226px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SSQ_rpFt4MI/AAAAAAAAA2A/qimE_2kEYM0/s400/tigre+branco4+testest.JPG" border="0" /></a> Escrito numa linguagem fluída, cativante, O TIGRE BRANCO nos conta como o protagonista, saído da região mais atrasada da Índia, chamada de "Escuridão" transforma-se de um atendente de uma casa de chá a motorista (uma ascenção e tanto, numa sociedade herdeira da tradição estamental) e, depois, num grande empresário "do ramo da terceirização". Paralelamente a este mundo ficcional, o autor pinça, com profundidade, aspectos da dramática realidade do país: corrupção, muita corrupção, miséria que não acaba, sistema de castas, relacões sociais e familiares, saúde pública (!), a "<em>democracia</em>" e as eleições fraudulentas, enfim, uma porção histórias sobre um lugar que nos é apresentado no mais das vezes sob uma aura de só misticismo e encantamento. A realidade é outra, bem diferente, como se nos mostra a obra cuja capa você poderá ver na coluna ao lado. O livro o aproxima da Índia real, não aquela que os Hare Krishnas fantasiam nas esquinas, entre uma e outra tungada contra a economia popular. <div align="justify">Vamos deixar prá vocês dois trechos do livro: o primeiro, nesta postagem, relata a pungente peregrinação do protagonista, então menino, até às margens do Ganges, seguindo o féretro da mãe, a caminho de ser cremada. É uma passagem do cacete. Nos perdoem os leitores pela expressão, mas, assim, deixamos bem claro nosso pouco ou nenhum tato para a crítica literária e nosso vivo interesse em não fazer crítica literária. Numa próxima postagem, falaremos sobre castas. </div><div align="justify"><br /><br /><br /><span>"SEI TUDO SOBRE O GANGES, Excelência. Quando tinha seis, sete ou oito anos (ninguém na minha aldeia sabe exatamente quantos anos tem), fui ao local mais sagrado das margens do rio: a cidade de Benares. Lembro de descer os degraus de uma estradinha que seguia colina abaixo, na cidade santa de Benares, acompanhando o cortejo fúnebre que levava o corpo de minha mãe até o Ganges.<br />Era Kusum, minha avó, quem ia na frente. Aquela velha sonsa! Tinha a mania de esfregar os braços com bastante força quando estava contente, como se fossem pedaços de gengibre que estivesse ralando para liberar os sorrisos. Não tinha mais um dente na boca, mas isso só tornava o seu sorriso ainda mais dissimulado. E foi sorrindo que conseguiu mandar na casa; filhos e noras tinham medo dela.<br />Meu pai e Kishan, meu irmão, vinham logo atrás, segurando uma das pontas da liteira de bambu gue transportava o cadáver; depois, vinham meus tios, Munnu, Jayram, Divyram e Umesh, segurando a outra ponta. O corpo de minha mãe tinha sido embrulhado num pano de cetim cor de açafrão, da cabeça aos pés, e estava coberto de pétalas de rosas e de guirlandas de jasmim. Acho que, em vida, ela nunca teve nada tão bonito para vestir. (A morte de minha mãe foi tão grandiosa que tive a certeza de que a Sua vida deve ter sido muito infeliz. A minha família se sentia culpada por alguma coisa.) Minhas tias, Rabri, Shalini, Malini, Luttu, Jaydevi e Ruchi, passaram o tempo todo rodopiando e batendo palmas para que eu as alcançasse. Lembro que fiquei balançando as mãos e cantando: "O nome de Shiva é a verdade!"<br />Passamos por um templo atrás do outro, rezando para um deus atrás do outro, até entrarmos numa fila, entre um templo vermelho, dedicado a Hanuman, e um ginásio descoberto onde três fisiculturistas levantavam pesos enferrujados bem acima da cabeça. Antes mesmo de ver o rio, pude sentir o seu cheiro: um fedor de carne podre que me chegava pelo lado direito. Cantei então ainda mais alto: "... a única verdade!"<br />Ouvia-se uma barulheira danada: estavam rachando lenha. Tinham construído uma plataforma de madeira pouco acima do nível da água, bem na borda do <em>ghat</em>; as toras eram empilhadas nessa plataforma onde homens as cortavam, usando machados. Vários blocos de madeira formavam piras funerárias nos degraus do <em>ghat</em>, que levam até o rio. Quando chegamos ali, havia quatro corpos sendo cremados. Tivemos de esperar a nossa vez.<br />À distância, uma ilha de areia branca reluzia ao sol, e botes cheios de gente se dirigiam para lá. Fi quei imaginando se a alma da minha mãe teria ido para aquela ilha,para aquele lugar brilhante no meio do rio.<br />Já disse que o corpo de minha mãe estava envolto em cetim. Agora, tinham coberto também o seu rosto, e várias achas de lenha, tantas quanto pudemos comprar, estavam sendo empilhadas sobre o seu corpo. Então, o sacerdote ateou fogo à minha mãe.<br />- No dia em que chegou à nossa casa, ela era uma boa moça, muito sossegada - disse Kusum, pondo a mão no meu rosto. - Não fui eu que comecei com essa história de brigar...<br />Afastei aquela mão. Fiquei olhando para minha mãe.<br />Quando o fogo devorou o cetim, deu para ver um pé pálido, que surgiu ali como algo vivo; os dedos, que iam derretendo com o calor, começaram a se encurvar, oferecendo resistência ao que estavam lhes fazendo. Kusum empurrou aquele pé de volta para o meio do fogo, mas ele não queimava. Meu coração disparou. Minha mãe não ia deixar que a destruíssem.<br />Debaixo da plataforma onde as toras estavam empilhadas, era um verdadeiro lamaçal escuro, no ponto em que as águas do rio tocavam as margens. Aquele monte de lama estava cheio de guirlandas de jasmim, pétalas de rosas, pedaços de cetim, ossos chamuscados; um cachorro amarelado rastejava por ali, fuçando em meio às pétalas, ao cetim e aos ossos.<br />Olhei para aquele lamaçal, olhei para o pé retorcido de minha mãe e entendi tudo.<br />Era a lama que a estava impedindo de ir embora: aquele monte enorme de lama preta. Ela tentava lutar contra aquilo; seus dedos estavam encurvados e resistiam; mas a lama a estava tragando, sugando. Era tão espessa e, a cada instante, a água que banhava o <em>ghat </em>criava uma quantidade maior daquele lodo. Logo, logo a minha mãe seria parte daquele lameiro negro, e o cachorro amarelado ia começar a lambê-Ia.<br />E então, compreendi: aquele era o verdadeiro deus de Benares, essa lama preta do Ganges na qual tudo morria, se decompunha, e era dali que tudo renascia, para voltar a morrer. O mesmo aconteceria comigo quando eu morresse e me trouxessem para cá. Nada ali atingiria a liberação.<br />Perdi o fôlego.</span></div><div align="justify"><span>Foi a primeira vez na vida que desmaiei.</span></div><div align="justify"><span>Desde esse dia, nunca mais fui ver o Ganges: deixo o rio para os turistas americanos!<span style="font-size:130%;">" </span><br /></span></div><br /><span style="font-family:arial;font-size:85%;">Ilustração: Tigre branco, "...<strong>o mais raro dos animais de qualquer floresta, que só nasce um a cada geração</strong>...", como narrado no livro (pág. 34). </span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-2630029744429910292008-11-13T19:03:00.024-02:002009-07-03T15:41:28.579-03:00“NEGÓCIO FECHADO”– Conto de Jorge Medauar - A CRISE FINANCEIRA GLOBAL E A DISTANTE CRISE CACAUEIRA NO SERTÃO DA BAHIA<a href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SRyzlle1WuI/AAAAAAAAA1g/28hw9kfDFSk/s1600-h/cacau.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5268283122414607074" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 124px; CURSOR: hand; HEIGHT: 120px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SRyzlle1WuI/AAAAAAAAA1g/28hw9kfDFSk/s400/cacau.jpg" border="0" /></a> <p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center"></p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center">Com o eclodir de mais uma crise econômica global, quando as notícias de desastres financeiros não mais puderam ser desmentidas, pensamos em publicar um conto, trecho de romance, alguma literatura, enfim, ambientada no tema. Que não enseja novidade posto que elementar a sujeição do sistema capitalista a crises cíclicas (Marx). As lembranças dos abalos de 1870 e1929 e dos relatos literários deixadosem relação a tais períodos foram imediatas e nos trouxeram à mente um conto sobre o cataclisma financeiro de 1929, e cuja narrativa começa com uma Wall Street sossegada, numa plácida e inocente manhã, realidade que, instantes depois ganha contornos dramáticos com a erupção dos fatos que determinaram o Crash de 29 e a Grande Depressão. Não localizamos o conto; sequer recordamos quem seja o seu autor. </p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center">Pois agora tivemos a fortuna de encontrar – ao acaso, o conto, "<strong>Negócio Fechado</strong>", que narra as agruras de um fazendeiro que sucumbiu à crise do cacau nos meados do Séc. XX. Ambientado no sertão baiano, o texto enovela a tragédia do aturdido fazendeiro numa dimensão universal, atemporal. </p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center">O livro, intitulado "<strong>O INCÊNDIO</strong>", edição de 1963 da Civilização Brasileira, foi encontrado no sebo MANIA DE CULTURA, em Ribeirão Preto. E arrematado pela bagatela de R$ 6,50. <strong>Jorge Medauar </strong>é<strong> </strong>um escritor de primeira. Nível 1, na rigorosa classificação de Décio Pignatari. Atenção <strong>O texto é longo </strong>para os moldes de um blog. Mas sua qualidade justifica o espaço. A capa do livro(veja ao lado), por seu turno, é um horror. </p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center"></p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center"></p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center"></p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center"><strong><span><span style="font-size:130%;">"</span>DE TANTO CAMINHAR PELA MESMA estrada, o burro já não precisava ser guiado: entrava e saía pelos desvios, pegava a picada estreita que dava volta aos mata burros, atravessava riachos.<br />A marcha era mansa: Guilhermino seguia escanchado, as pernas compridas escorridas para baixo, os pés triscando o chão. O corpo, no sacudido do andar do burro, parecia saco mole. Era ver um homem ferido, levado "sem saber para onde".<br />Seguia para a roça com a cabeça baixa, doída. O gringo Chafik já devia estar à espera, avaliando a roça, perguntando coisas aos trabalhadores.<br />Essa era uma viagem que o coronel nunca esperava fazer.<br />Mas precisava. Agora precisava. E se fechasse o negócio, nunca mais botaria os pés naquelas terras. Nunca mais correria seu cacau. Nunca mais soltaria o trovão da voz, dando ordens aos trabalhadores.<br />Há mais de vinte anos vinha colhendo, fazendo dinheiro com safras gordas. Seus burros, na época das colheitas, suavam no carregamento: chegavam a Água Preta resfolegando, descarregavam centenas de arrôbas. Num instante, o cacau virava dinheiro. O talão de cheques não saía de suas, mãos: era só assinar. Pagar. Comprar. Levar coisas para casa. Dar presentes às raparigas. Se quisesse levantar uma casa, ordenava: no outro dia, o formigueiro de carapinas, mestres, pedreiros, estava no preparo de tudo, fazendo subir paredes. Nas viagens da mulher, encomendava trole especial: a mulher mais os filhos seguiam nos passeios para Ilhéus, Salvador, Rio de Janeiro. Suas raparigas viviam exibindo roupas de seda pesada, se encharcando de perfumes finos. Nas quermesses, a última palavra, na hora de arrematar uma bobagem, era sua: roncava logo uma fortuna, arrematava um mealheiro de vidro por contos de réis. Quando entrava no bar de Maçu, o próprio Maçu largava seu quefazer, vinha pessoalmente atender: "Pois não, às ordens, prontamente." Só faltava se espalhar no chão, virar esteira para seu coronel passar por riba.<br />Agora seguia pensando coisas, como se tudo tivesse passado num sonho. A cabeça estava inchada. Sentia quentura na testa, uma agonia no peito. Saíra bem de manhã, justamente para não ser visto. Não queria que ninguém tivesse pena de sua ruína. Queria afundar-se no atoleiro de dívidas, sem receber uma palavra de consôlo. Já havia despachado a mulher para a casa do irmão, na Bahia. E antes de ficar bichado como os outros, resolvera terminar seus negócios sozinho, sem ninguém de junto para amofinar.<br />Depois da grande baixa do cacau, agora, de seu, não tinha mais que aquela fazenda. A que dava mais. As outras foram todas devoradas nas hipotecas: uma atrás da outra. Igual que rês seguindo para o corte. Das duas casas montadas para as raparigas, não restava nenhuma peça de valia: somente o gramofone alemão - uma raridade que fazia pena deixar perdida numa roça como Água Preta. Sua última rapariga, há menos de uma semana, por pouco não arma um curuquerê no meio da rua. Que as mulheres do vento sabem quando um coronel desanda em desgraça. Então botam logo a natureza para fora, emporcalham a pessoa com palavras cabeludas. e fedorentas. Enquanto dinheiro corre, para esbanjamento, se abrem. Amansam. Alisam como bichaninho , entre as pernas do dono.<br />Sua rapariga já estava influída, ousando em demasia: ameaçara sair pelas ruas, proclamando sua falência. Chegara a lhe dizer nas bochechas que era um coronel quebrado, sem um derréis na algibeira. Tivera que aquietá-Ia. Prometera máquina de costura. Anéis. Jóias. Mesmo assim, a mulher abrira a bôca para as vizinhas: "Coronel de meia pataca". Não tivera dúvida que era o começo do desmoronamento. Uma rapariga, lidando com um e com outro, esbagaçaria a honra de qualquer um. Precisaria, portanto, acabar com aquilo, mesmo que fôsse obrigado exemplar com surra de relho. Reconhecera a tempo não poder ter casa aberta para raparigas. E, com muito custo, se livrara da mulher, afastara o vexame. Mas se a rapariga saísse por aí, na falação, estaria no seu direito concordava. Era ignorante, uma pobre tirada da roça para aquietar-lhe o corpo. Até que perdoaria. Mas nunca que perdoasse o insulto de nenhuma outra pessoa de Água Preta. Uma gente sonsa: ficava como urubu, esperando os outros virar carniça para cair no avanço. Bem vira o que fizeram com Valdomiro: quando se arruinou, esborrachara de uma vez. Nenhuma ajuda, de quem quer que fôsse. Quem tinha, não lhe emprestava. As casas de comércio fecharam-lhe o crédito, bateram-lhe a porta no focinho. Suas cadernetas de fiado não valiam um traque queimado. O homem sumiu da cidade, debaixo da maior humilhação, com a roupa do corpo, a mulher atrás, de olhos pilados, mesmo que retirante. Ninguém quisera saber de seus compromissos, de suas dívidas, das dores no coração batido de tanto penar. Com êle seria a mesma coisa. Ora, se não seria! Mas antes que sua roça fôsse arrematada por dois cruzados, como foram as de outros que se perderam em dívidas, já havia marcado encontro com Chafik. Haveria de vender a roça por preço justo. O gringo não era da terra. Não estava viciado.<br />Em Água Preta, na hora que ficavam sabendo que a miséria batia palmas na porta de alguém, corriam para as ofertas. Umas ofertas de merda, para acabar de enterrar o necessitado.<br />- Mas comigo não tem disso não - disse em voz alta.<br />O burro estalou as orelhas. Guilhermino esporeou o bucho do animal. Rangeu os dentes: nunca que se entregasse, como um frouxo qualquer, pensou. Enfrentara outras crises. Passara por apertas que outros nunca passaram. E, afinal de contas, não estava com lama no pescoço. Sua roça valia pelo menos uns oitenta contos. Estava em boa ordem. Fizera melhor ias no ano passado, quando o cacau ainda valia. Botara trilhos novos nas barcaças. Comprara boa partida de sacos. Mandara roçar os matos, limpar os carrapichos da beira dos caminhos. Fizera tudo isso esperando que o cacau fôsse bater nas nuvens: um erro. Um erro dos grossos. Deveria ter desconfiado da safra, aplicar seu crédito em outras coisas mais rendosas. Como o Coronel Arlindo, que estava ganhando fortunas em porcos. Ou mesmo como o gringo Chafik, que andava por Minas Gerais negociando gado. O gringo tinha cacau, é bem verdade. Mas nunca descansara no que o cacau podia render. Seu negócio grosso era fazenda de gado. Comprava uma atrás da outra, par qualquer preço. Agora, no paradeiro, andava montado em montanhas 'de dinheiro. O cacau valia tanto quanto cocô de galinha. Mas quando o gringo metia a mão no bolso e puxava o talão de cheque, até os bancos estremeciam. Ficava botando nos cheques carreiras de zeros, parecendo volta de contas.<br />lnda bem que encontrara Chafik - pensava. Despertara seu interesse pela roça, numa conversa desprevenida, como quem não queria nada. O gringo fôra a Água Preta visitar seu compadre Emílio, para acertar o batizado do menino caçula. Encontrara-se com êle por acaso. Soltara 'duas palavrinhas:<br />- Então, seu Chafik... veio passear, ver o compadre, não foi?<br />O gringo balançara a cabeça, abanando o chapelão mandado vir de encomenda de São Paulo. Sem tirar o charuto da bôca, tornara a balançar a cabeça, dizendo que era isso mesmo.<br />- Como vai a situação lá por Sequeiro do Espinho, seu Chafik?<br />- Bem. E vosmecê, com o cacau?<br />- O que tá vendo: uma baixa dos infernos. Paradeiro<br />nunca visto.<br />O gringo falava sem interesse: não demonstrara nenhuma fraqueza nas palavras, como os coronéis do cacau. Falava como se nunca tivesse notícia do paradeiro. O charuto revirado na bôca, os olhos firmes, em cima da pessoa. A testa sem ruga, a bôca sem amargor. Sim senhor - pensara - um gringo de cabeça clara, de estrêla luminosa. Enquanto o povo se enrolava no falar, no disfarce, o gringo se abria, empinava os peitos, vazava franqueza. Tinha rios. de dinheiro. Um homem para ser mesmo admirado! Não podia deixar de admirar, embora fôsse um gringo - gente danada. Sempre reparara nos gringos. Cadê que nenhum se perdia, quando o cacau desandava? Com paradeiro, sem paradeiro, cada um cuidava do seu negócio: era só juntando dinheiro, se regalando nas comidas boas, instruindo os filhos. Entrava safra, saía safra e a gringalhada no seu, no fresco de suas casas - sem embaraços com tropas de burro, trabalhador para aperrear, capataz para surrupiar cacau. Nada de cangalhas. Barcaça. Japurá estragando os frutos. Quem quisesse que botasse reparo no gringo Emílio: gordo, emborcando seu copo de cachaça, armando banquetes para os graúdos de Ilhéus, da Bahia. Tinha ninguém sabe quantas casas. Acho que toda a rua do Apertucho era dele. E os filhos com professoras caras, aprendendo nos livros de Francês...<br />O burro escorregou a casco numa pedra: Guilhermino desmanchou os pensamentos. Onde é que estou? - perguntou-se.<br />Olhou o caminho: estava atravessando terras, de Antônio Ferreira. Com mais uma hora - ponderou - estaria na cancela de sua roça. E quando chegasse por certo o gringo já teria decidido se ficaria ou não com a roça. E quando chegasse, por certo o gringo já teria decidido se ficaria ou não com a roça. Seu único medo era de que seu Emílio, compadre de Chafik, tivesse influído em seu ânimo contra a compra. Porque ninguém melhor do que o gringo Emílio conhecia sua situação: devia-lhe inúmeras cadernetas. No caso de ter revelado sua condição de arruinado, decerto o aproveitamento viria. E Chafik viraria sonso como qualquer um. "Ah, então está vendendo a roça porque tá enforcado, não é?"<br />Imaginou o diálogo entre os dois patrícios: o gringo Emílio informando que êle, Guilhermino, já lhe devia contos de réis, barrica de bacalhau, arame farpado, muitos quilos de bolachas, latas de marmelada, cravo para ferrar animais, fazenda de pano para as raparigas. Já estava vendo Chafik com o charuto na bôca, os ouvidos acesos, balançando a cabeça. E o gringo Emílio influindo: "Ofereça uma bobagem, compadre, que êle vende. Já liquidou as casas das raparigas, mandou a mulher se socorrer com o irmão na Bahia. Tinha um anel de muito valor: vendeu-o, sem ninguém saber, a um caixeiro viajante de Pernambuco. As fazendas pequenas já estão perdidas nas hipotecas. O homem só tem de seu mesmo é a pose. Ofereça qualquer dinheiro, compadre."<br />Tesou o corpo em cima do burro. Ô, vida desgramada! Ô raça de gringos, filhos da peste.<br />Tornou a esporear o ventre do animal. O burro, que vinha manso, disparou pelo caminho. Mas pouco a pouco, foi voltando à marcha normal. E Guilhermino novamente mergulhou nos pensamentos, sentindo que o mundo estava desabando.<br />Acabou concordando que não podia escapar da desgraça. Estava mesmo arruinado: chegara sua vez de ser achincalhado. Ninguém pode afastar com as mãos os Poderes desconhecidos que embaraçam uma pessoa - considerou. Agora reconhecia que fôra extravagante. Pisara muitas vêzes, sôbre o mundo, quando o dinheiro corria feito água entre seus dedos. Rompera a virgindade de meninas roxinhas de roça. Com dois-três metros de madrasto inferior, comprara a honra de inocentes, largara-as na rua do Gameleiro. Despachara trabalhadores.<br />Mandara lascar de pau muitos cabras com simples suspeita de roubo. Influíra na política. Afastara intendentes. Botara para longe de Água Preta muita gente que lhe fazia sombra. Sempre empinara sua arrogância de coronel. A mulher, quando passava pelas ruas, era como rainha: exibia jóias, anéis de pedras enormes. E agora? Agora iria passar pelas ruas de Água Preta como um cigano, como um cantor de feira, um vendedor de corotes de água. Imaginava dona Júlia pelas casas, nos comentários: "Viu? Gastou o que tinha e o que não tinha com raparigas. Agora anda por aí, pedindo pelo amor de Deus um empréstimo para ajudar a família, para vestir as filhas. Foi vender a roça ao gringo Chafik: o gringo pisou em cima dele como pata de boi em riba de jia. Tá de crista arriada".<br />- Isto não, isto não - gritou, espantando dos ouvidos a voz de dona Júlia, que parecia falar como se estivesse a seu lado.<br />Procurou se distrair com os matos, examinando as árvores do caminho. Aquela é braúna. Aquela outra é jenipapo. Aquela gorda, no pé do morro, é jaqueira. Ia dizendo, para afastar da cabeça zumbidos de um enxame de marimbondos azucrinando.<br />Cada vez que pensava estar navegando para a miséria, a cabeça só faltava estourar - ficava cheia: abelhas, marimbondos, trovoada balançavam-lhe o juízo. Apertava as têmporas com as mãos, esfregava a testa. Mas os pensamentos vinham, agoniavam como muriçocas. Se alojavam. Cresciam. Inchavam. Batucavam nos miolos. Só faltava enlouquecer. Uma hora, podia perder o juízo, apanhar o revólver pendurado na parede, estourar os miolos judiados com tanto pensamento escuro. Precisaria um pouco mais de calma. Estava seguindo para ver o gringo e não podia, antes de conversar com êle, socar na cabeça pensamentos malucos. Tomara que Chafik resolva ficar - desejou. Respiraria. Tomaria fôlego. Era um copo d'água num deserto de mormaço. Pelo menos pagaria dívidas miúdas" liquidaria com a lista de remédios da farmácia de Dionísio, passaria um risco vermelho no livro de fiado do gringo Emílio. Poderia cruzar com dona Júlia. Entrar no bar de Maçu, de cabeça erguida. Devo alguma coisa a alguém nessa terra? - perguntaria. Não senhor, não deve nada, não senhor teriam que responder. Quem iria indagar das dívidas grossas" que estavam assentadas nos livros dos bancos de Ilhéus, Itabuna, Salvador? O pior eram mesmo as contas miúdas. E gente pequena esparrama. Desonra. Bota a perder a posição de qualquer pessoa, embora a gente tenha sido um rei, um príncipe. Ninguém avaliava desgraça como falta de sorte, como destruição provocada pelo cacau. Isso doía mais do que punhal no peito. Por essa razão é que vinha tomando seus cuidados, pensando em arribar, levar a família para um meio maior, de gente mais instruída. Não tinha natureza para aturar ofensas ditas pelas costas. A gente pequena de Água Preta era pior que pixixica: beliscava até a alma.<br />Levantou a cabeça: viu a cancela de sua roça. Apressou o burro. Sempre, naquele ponto, em viagem para a roça, espetava as esporas. Gostava de fazer aquêle pedaço num trote puxado.<br />Quando chegou, um trabalhador abriu a cancela. Tomou a brida do burro. Cumprimentou com respeito.<br />Pela primeira vez, reparava na atenção de um trabalhador. Pensou que todo mundo devia se comportar como aquêle tabaréu, dando respeito a quem tinha, cumprindo sua obrigação sem ninguém mandar. Patrão é patrão - ora essa!<br />Sentiu-se mais à vontade, diante da atitude do trabalhador. Tesou a cabeça. E procurou Chafik com os olhos.<br />O gringo vinha descendo as escadas do alpendre, em mangas de camisa, o charuto mastigado no canto da bôca. Foi quem falou primeiro:<br />- Então, coronel, fêz boa viagem?<br />- Como tá vendo, seu Chafik. Só o sol, danando na cabeça.<br />Apertaram as mãos. Andaram juntos até a casa. Os trabalhadores por ali, esperando o sol esfriar.<br />Sentaram-se no banco da frente, na sombra fresca da varanda. Pegaram conversar. Uma conversa sem importância.<br />Guilhermino apontou as criações. Lá estavam. Eram todas de sua propriedade. Entre elas, havia um jegue perebento, cego de um ôlho: andava se batendo, coçando o couro bichado nos moirões da cerca.<br />- Um dia mando um cabra acabar com a agonia dêsse bicho disse.<br />- Dá pena mesmo, coronel. Velhice, quando vem, destrói gente, destrói bicho - não respeita ninguém. Meu gado não chega a envelhecer: vai tudo ainda novo para o corte. . . mas vai gemendo com o pêso da gordura. . .<br />- Ô Miguel! - gritou Guilhermino para um trabalhador. Vá lá dentro, mande fazer garapa de tamarindo aqui para seu Chafik. Para mim também... Avie. É pra hoje.<br />Enquanto esperava o refrêsco, Chafik começou a debulhar perguntas: quantas arrôbas a fazenda estava dando? Quantos burros tinha? Quantos homens? Havia madeira para lenha? Dendêzeiro? Plantação de comer? Aguada de veio limpo?<br />Pelo jeito - considerava Guilhermino - o homem estava interessado. Suas. perguntas eram de frente. Não pareciam vir instruídas pelo gringo Emílio. Chafik falava como comprador de verdade e não como urubu cheirando carniça. Lidar com gente assim valia a pena.<br />Passou às respostas. Acentuou as qualidades da roça: era perto de Água Preta. Não tinha trabalhadores gatunos. Ninguém nunca se rebelara com o que estava ganhando. Fêz carga:<br />- Isto não tem preço, seu Chafik. É o que faz o progresso de uma roça. O senhor pode ficar no Sequeiro, ir para as suas invernadas, não tomar cuidado com essa roça. No que é seu, ninguém bole. Meus homens foram escolhidos a dedo. Não viu o respeito, na hora que botei o pé no chão?<br />Foi aí que Chafik fêz a pergunta, quase no remate do assunto:<br />- Quanto quer pela roça, coronel? Último preço.<br />Antes de responder, sentiu um frio no coração, um fresco na alma: aquilo era a prova de que o negócio estava fechado. O gringo Emílio não dilapidara por trás, não roera o negócio que precisava ser feito. Então respondeu, pausadamente, com o mesmo tom de superioridade de outros tempos:<br />- Setenta contos. É o que é, seu Chafik. Último preço. - Vosmecê sai perdendo, coronel. Mas é negócio fechado.<br />Como? Não estava entendendo as palavras do gringo! Por um instante a cabeça zuniu de novo. Tornou a ouvir zoeira de marimbondos perturbando o juízo. Que história é essa de sair perdendo? Com franqueza, não entendia! Falou:<br />- Ô seu Chafik: o preço é justo, não é não?<br />- Eu não entendo de roça de cacau, coronel. Meu negócio é gado, porco, carneiro. Compadre Emílio me disse que sua propriedade era uma beleza. Foi êle quem forneceu quase tudo para as melhorias que vosmecê fêz na roça. Vosmecê não compra na mão dele? Pois êle me disse que soube, por<br />gente entendida, que sua roça vale mais do que cem contos. Negócio assim, quem é que não faz, seu Guilhermino?<br />O trabalhador chegou com a bandeja de tamarindo. Beberam. Guilhermino sentiu-se aliviado.<br />O sol estava mais brando. O capataz tratava dos animais. Enxugava-lhes o pêlo, dava-Ihes água. O jegue velho capengava por ali, arrepiando o focinho, mostrando os. dente até em cima, zurrando quase sem força.<br />Numa galinha que ciscava, Chafik sacudiu o charuto consumido. Estava na hora de voltar. E agora, Guilhermino só queria era chegar em tempo ao cartório.<br />Pediu os animais ao capataz. Convidou Chafik para montar primeiro.<br />No caminho, não parou de conversar. Falou no povo de Água Preta, na sonsice daquela gente. Castigou todo mundo, dizendo que era um povo atrasado, sem consideração com ninguém. Mas quando chegou na vez de falar no gringo Emílio, abrandou as palavras: seu Chafik não podia saber até onde ia sua admiração pela família do gringo. Podia pensar que era adulação, porque seu Chafik ia batizar o mais menor. Apois não era não, ficasse sabendo. Era de coração o que dizia.<br />Estimava de verdade aqueles filhos, todos ajustados, com a cabeça no lugar. Dali ia sair muita gente formada.<br />Chafik balançava a cabeça, ouvindo sem dar um pio. Guilhermino de língua sôlta. Era ver um menino contando histórias.<br />Com mais um pedaço de caminho, começou a falar por cima do mundo. Era um homem cumpridor dos seus deveres. Um homem sério. Nunca deixara de pagar ninguém. Criara seus filhos em Água Preta _' Conhecia todo mundo. Sentia ter que sair da terra. Mas precisava. Não era criança. Se não tivesse vendido a roça, se tivesse outro negócio, nunca arredaria o pé de Água Preta. Mas o cacau estava caminhando para trás, o preço descendo cada vez' mais. Já não tinha o que fazer por ali. Agora era procurar trabalho noutro lugar. Talvez negociasse gado. O importante era deixar de lado o cacau, abandonar a terra, evitar vexames.<br />- Pois vosmecê se engana, coronel, atalhou Chafik. O cacau vai subir é muito. Eu, se fôsse o senhor, querido como é na terra, com êsse dinheiro negociava mesmo em cacau. Andei muito por aí tudo, antes de me decidir viajar para sua roça. Falei com um e com outro sôbre vossuria. Não houve um que não dissesse que o senhor não era entendedor de cacau. Também não houve um que dissesse que vosmecê não era gente de bem. Todo mundo lhe admira. Todo mundo tem vontade de oferecer negócio ao senhor. Mas, cadê coragem? Se queixam que o senhor passa sem dar atenção a ninguém, fazendo valer sua autoridade de coronel. Desculpe lhe dizer isso. . .<br />Parou, trincou nos dentes o bico de outro charuto. Guilhermino não teve ânimo de interromper o silêncio. Esperou Chafik acender. Sem tirar o charuto da bôca, Chafik continuou:<br />- Compadre Emílio me disse que ninguém tem mais crédito em sua loja do que o senhor. O mesmo me disse seu Antônio Ferreira. Seu Coleto. Seu Baracho. Emiliano Bráulio. É o que há de melhor em Água Preta. Vosmecê tá maldando de seus amigos, metendo tolice na cabeça.<br />As palavras de Chafik, espremidas pela bôca apertada no charuto, eram sinceras, duras, com fôrça de chicote. Embora falasse com franqueza, vasculhando sua vida, reconhecia que o gringo era simpático.<br />Desejou que a viagem não acabasse mais nunca. Precisava ouvir aquilo. Fôra a primeira vez que alguém lhe falava naquele tom, abrindo-lhe os olhos numa conversa de amigo, sem arrodeio. Que povo mais medroso, êsse de Água Preta! Ora, ora! Então não viam que era um homem igual a eles, um fazendeiro de cacau como os outros?<br />- Continue, seu Chafik. Continue. Chafik olhou para êle, admirado:<br />- Continuar o que, seu coronel? Já disse o que tinha a dizer. Se apronte: estamos entrando na cidade.<br />Guilhermino ainda não havia visto as casas baixas aparecendo. Vinha visgado nas palavras de Chafik. A viagem fôra rápida. Agora, parecia estar acordando, ouvindo o rio marulhando nas pedras.<br />Espiou as lavadeiras que subiam o outeiro com trouxas de roupa na cabeça. Vinham de Pancada Formosa. Tarde fresca. Um vento fino afastava o bafo quente deixado pelo sol, que se afundava no sertão.<br />Botou sentido no burro, admirando como aquêle animal não errava seu caminho. Quantas vezes fizera aquela mesma viagem? Não tinha como contar. E não era uma pena, de uma hora para outra, mudar de terra, principiar tudo de novo? E se não se desse bem para longe? Se os meninos não acostumassem na escola, a mulher não criasse amizade aos outros? Sacudiu os pensamentos. Botou os olhos para frente.<br />Achou uma beleza aquêle pedaço de caminho, aquela entrada de Água Preta: o rio, a côr do céu, as lavadeiras voltando da fonte, meninos parando para ver os cavaleiros passar. Era como se estivesse entrando na cidade pela primeira vez. Nunca vira Água Preta assim. Nunca reparara que a terra de seus filhos era clara. As janelas das casas viviam abertas, com passarinhos cantando nas gaiolas.<br />Num instante, fêz um balanço de tôda sua vida. Considerou que talvez houvesse um pouco de exagêro em seus receios.<br />Um homem não pode viver sem se juntar aos outros, numa terra pequena, onde todos se conhecem. Que diabo podia fazer com o dinheiro que ia receber? Seu coração estava falando que suas mãos não sabiam lidar com outra coisa que não fôsse cacau. O gringo falara certo. Povo danado, êsse povo de Água Preta! A cabeça da gente endoida por bobagens. E a vida às vêzes desarruma. Mas é preciso bom juízo para botar tudo no lugar. O importante, em tudo isso, era saber que ninguém estava querendo sua desgraça. Mais importante, ainda, era saber que Água Preta agora estava aberta diante de seus olhos. Como flor nova se oferecendo na beira de uma estrada.<br />Estavam chegando à Praça. Seu coração começou sacudir. Sentiu umas coisas por dentro. Uma vontade de mudar. Mudar tudo. Lavar os pensamentos. Acordar para uma clara manhã que tinia sua luz nos olhos que dormiam.<br />Apertou as rédeas do burro, estancou de repente. Chafik perguntou:<br />- Que foi?<br />- Vosmecê continua meu amigo se eu refugar a venda, compadre Chafik?<br />- Se arrependeu, coronel?<br />- Foi.<br />- Vosmecê obra muito bem, seu Guilhermino - acentuou Chafik, emendando com um sorriso:<br />- Vamos tomar uma cerveja ali em Maçu. Vosmecê paga.<br />- É com muito gosto, seu Chafik!<br />Tocaram. Apearam na porta do bar. Maçu preparava as torcidas para acender os candeeiros. Assim que viu Guilhermino, largou sua ocupação, apressou-se para recebê-lo na porta:<br />- Entre, coronel. E vós também, seu Chafik.<br />Guilhermino estendeu a mão para Maçu. E reparou que seu tratamento era o mesmo - não mudara."</span></strong></p><p style="TEXT-ALIGN: justify" align="center"><strong><span style="font-family:arial;font-size:85%;">Iustração: </span></strong><strong><span style="font-family:arial;font-size:85%;">Cacau, óleo de Eliomar Tesbita</span></strong></p>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-33162355604536250012008-11-09T21:31:00.032-02:002008-11-10T13:04:06.273-02:00"GEOPOLÍTICA DA FOME" - Josué de Castro - Um trecho<a href="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SRdzmRk8niI/AAAAAAAAA1I/xb9Z1sTFSug/s1600-h/JOSU%C3%89.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5266805390623677986" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 88px; CURSOR: hand; HEIGHT: 121px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SRdzmRk8niI/AAAAAAAAA1I/xb9Z1sTFSug/s400/JOSU%C3%89.jpg" border="0" /></a><br /><div align="right"><strong><span style="font-family:trebuchet ms;">"Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens,<br />contra outros homens."<br />(Josué de Castro)</span></strong><br /></div><div align="justify"><br /><br /><br />O trecho abaixo reproduz os dois primeiros parágrafos do clássico "Geopolítica da Fome", obra dos anos 40/50 do Séc. XX, escrita por um dos mais importantes cientistas brasileiros, o médico Josué de Castro. Dele, também, outra obra consagrada: "Geografia da Fome". Em ambos os títulos Castro mostra que a fome não é um fenômeno natural, mas impiedosa injunção política a submeter largas camadas da população a "...esta praga social criada pelo próprio homem..."<br /><br /><br /><br /><br /><span style="font-family:verdana;"><strong>"A HISTÓRIA DA HUMANIDADE tem sido, desde o princípio, a história de sua luta pela obtenção do pão-nosso-de-cada-dia. Parece, pois, difícil explicar e ainda mais difícil compreender o fato singular de que o homem - este animal pretensiosamente superior, que tantas batalhas venceu contra as forças da natureza, que acabou por se proclamar seu mestre senhor - não tenha até agora obtido uma vitória decisiva nesta luta por sua subsistência. Basta ver que, depois deste longo período de algumas centenas de milhares de anos de batalha, hoje se verifica, sob critério de observação científica, que cerca de dois terços da população do mundo vivem num estado permanente de fome; que cerca de um bilhão e meio de seres humanos </strong>[dados de 1946, FAO] <strong>não encontram recursos para escapar às garras da mais terrível de todas as calamidades sociais. </strong></span></div><div align="justify"><span style="font-family:verdana;"><strong>Será a calamidade da fome um fenômeno natural, inerente à própria vida, uma contingência irremovível como a morte? Ou será a fome uma praga social criada pelo próprio homem? Eis o delicado e perigoso assunto debatido neste livro. Assunto tão delicado e perigoso por suas implicações políticas e sociais que até quase os nossos dias permaneceu como um dos tabus da nossa civilização - uma espécie de tema proibido ou, pelo menos, pouco aconselhável para ser abordado publicamente." </strong><br /></span><br /><br /><span style="font-size:78%;">Ilustração: O cientista Josué de Castro.</span></div><div align="justify"><strong></strong></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-26797283938109513262008-11-07T21:33:00.016-02:002013-10-05T11:06:54.094-03:0020 ANOS DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ - UMA REFLEXÃO PICTÓRICA<a href="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SRTRhPM1blI/AAAAAAAAA0w/7cQhLMnZMN0/s1600-h/constitui%C3%A7%C3%A3o.gif"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5266064233249205842" src="http://4.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SRTRhPM1blI/AAAAAAAAA0w/7cQhLMnZMN0/s400/constitui%C3%A7%C3%A3o.gif" style="cursor: hand; display: block; height: 289px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 300px;" /></a><br />
<div align="justify">
O blog não poderia deixar passar em branco a efeméride do aniversário dos vinte aninhos da Constituição Cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988. Prenhe de direitos, loquaz na dicção de garantias, todo esse caudal de normas lamentavelmente sucumbe a uma realidade pérfida e desigual, onde o direito verbera mas não molda. </div>
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A propósito do acontecimento, festejado em congressos, seminários, cursos, sessões públicas, concursos de redação, aulas magnas, jantares dançantes, e até mote de samba-enredo, vai aqui, como contribuição e preito de lembrança, uma charge que diz mais do que mil tratados. </div>
<div align="justify">
Uma saudação aos que a respeitam e aos que lutam por sua proeminência.</div>
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O artista é Jean e o trabalho foi publicado na Folha de S. Paulo do dia 07.11.08. </div>
A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-6659670556757864652008-11-03T14:43:00.024-02:002009-07-03T16:01:12.651-03:00"HOMENS INVISÍVEIS" (2) Um trecho.<a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQ8z5fESpAI/AAAAAAAAA0Y/wOl1zwETTew/s1600-h/gari.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5264483552104457218" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 135px; CURSOR: hand; HEIGHT: 96px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQ8z5fESpAI/AAAAAAAAA0Y/wOl1zwETTew/s400/gari.jpg" border="0" /></a><br /><div><a href="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQ8ymAnpGAI/AAAAAAAAA0Q/eRvUPEafTAw/s1600-h/gari+3.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5264482118002087938" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 135px; CURSOR: hand; HEIGHT: 90px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQ8ymAnpGAI/AAAAAAAAA0Q/eRvUPEafTAw/s400/gari+3.jpg" border="0" /></a><br /><div><a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQ8x8e86a8I/AAAAAAAAA0A/eLau_xYbfSI/s1600-h/gari+4.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5264481404589861826" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 140px; CURSOR: hand; HEIGHT: 89px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQ8x8e86a8I/AAAAAAAAA0A/eLau_xYbfSI/s400/gari+4.jpg" border="0" /></a><br /><div><span class="Apple-style-span" style="color:#000000;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQ8xkQSuUyI/AAAAAAAAAz4/I-_6VU4OMzA/s1600-h/gari+2.jpg"></a><br /><br /></span><div align="justify">Na publicação anterior, reproduzimos passagens nas quais o psicólogo social Fernando Braga da Costa contou aspectos de sua experiência como gari na Cidade Universitária. No trecho a seguir o autor demonstra cientificamente as razões, condicionantes e fundamentos a dar legitimidade ao estado de sujeição a que estão atados os trabalhadores manuais não qualificados em ao fenômeno sociológico da da humilhação social, que subtitula o livro "Homens Invisíveis". Vamos lá:</div></div><div></div><div></div><div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span><span style="font-family:verdana;"><strong><span style="font-size:180%;">"</span>O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA PRECIPITOU circunstâncias nas quais lugares sociais específicos cristalizaram-se. Tais lugares convencionam as ações possíveis para seus atores; em geral, a partir dessas posições, uns ordenam e outros executam. A consideração aturada desses desdobramentos históricos, a exigir inclusive documentos e pesquisa crítica, é fundamental, mas, na consciência que temos sobre a realidade, pode estar ausente. A compreensão de mundo torna-se lacunar e invertida. Lacunar: deixa de considerar processos históricos mediadores através dos quais a realidade foi assim construída. Invertida: ao apagar tais processos, não pode considerar a realidade efetiva como condição a partir da qual a consciência é formada; dessa maneira, passa a conceber de maneira abstrata e arbitrária a realidade, o sentido das coisas todas.<br />A divisão entre homens que servem e homens que são servidos parece implicar a existência de dois mundos humanos diferentes. Tal cisão - representada em circunstâncias socioeconômicas que a ostentam materialmente - tem origem em processo de longa duração e que ocasionou a separação entre trabalho braçal e trabalho intelectual.<br />Entre a concreção da realidade e as interpretações daí derivadas existem processos complexos. Aparentemente, nesse caminho entre a percepção e o pensamento - e entre a ação e o pensamento - algo se perdeu. Em termos marxistas, o campo está aberto para aquilo que se denomina ideologia: instrumento de dominação de classe no qual idéias autonomizadas, desligadas de qualquer efetivo recurso à história, ocultam as divisões sociais, a exploração e a opressão. A ideologia tem o poder de transformar idéias particulares da classe dominante em idéias universais.<br />A divisão social do trabalho estabelece a aparente autonomia do trabalho do pensamento sobre o trabalho material. Tal autonomia, que é somente aparente, vem apresentar-se à consciência dos homens como autonomia dos produtores do trabalho intelectual, que, por sua vez, apresenta-se falsamente como movimento autônomo dos produtos desse trabalho: as idéias.<br />Para Marx, a consciência nada mais é do que a consciência informada pelo mundo: consciência ingênua informada por aparências, consciência crítica informada por história, informada pela complexa gênese dessas aparências. O homem pensa o mundo a partir de suas relações efetivas nesse mesmo mundo. Em regime de ideologia, passa-se a imaginar que o homem possui uma consciência autônoma em face da realidade, portanto, o pensamento dispondo o que quiser sobre as ações humanas e não mais as ações, de todos e de cada um, despertando e incrementando as idéias a respeito de mundo. É como se as idéias controlassem extrinsecamente - e de cima - a realidade concreta da práxis humana.<br />A ideologia configura-se, então, como abstração e inversão da realidade: estrutura-se no campo do aparecer social, isto é, na maneira como os movimentos histórico-sociais apresentam-se imediatamente à consciência dos homens. A base real da ideologia, sendo o aparecer social, não ultrapassa a aparência. Superá-Ia depende da investigação da realidade concreta, a realidade como resultado temporal e sobredeterminado de muitas condições e contradições veladas, a realidade concreta enquanto condição imprescindível de engendramento de idéias plausíveis e reveladoras.<br />A ideologia interessa à classe dominante. Através dela, a realidade da dominação e exploração não pode ser compreendida como violência; assim sendo, a dominação e a exploração podem adquirir legitimidade. O fato de o trabalhador não recusar a segregação de funções, a baixa remuneração, os serviços degradantes, deve-se, sobretudo, à nefasta informação da ideologia; informações que cancelam verdadeiros motivos históricos e forjam motivos apaziguadores pelos quais uma classe inteira de homens está a alimentar servilmente uma outra.<br />A ideologia compõe uma cadeia de pensamentos e justificativas que, em termos sociais, amortece a violência. A ideologia amortece o entendimento da experiência de invisibilidade pública como de uma experiência tremendamente violenta. ‘A gente tem que saber qual é o nosso lugar.’ ‘Patrão serve pra mandar mesmo.’ ‘Peão que conversa não quer trabaiá.’<br />A ideologia é parte integrante dos movimentos mais ou menos conscientes que diluem o sofrimento da invisibilidade pública. A ideologia configura-se como força social que instaura uma forma de pensar o mundo que se constitui, na verdade, como dispositivo para não o pensar. Para operar de maneira tão maciça, a ideologia, fenômeno histórico-cultural característico das sociedades burguesas, encontra e empenha motivações e processos também psicológicos.<br />Em psicanálise, o termo racionalização parece ajustar-se bem ao que desejamos descrever. Quando atravessa experiência de intensa densidade afetiva, experiência cujos motivos reais desconhece, um indivíduo pode lançar mão de artifícios defensivos - explicações lógicas ou que se ajustem à moral de seu grupo - a fim de encobrir satisfações e interesses mais ou menos inconscientes atendidos pela experiência em questão. A racionalização impede a percepção profunda dos fatos e sua interpretação mais certeira. Condiciona a consciência a manter-se em um nível de funcionamento o mais superficial possível.<br />Em ambos os processos, racionalização e ideologia – ou, deveríamos dizer, nesse processo misto, a racionalização ideológica -, o impacto de uma experiência, o impacto de uma realidade efetiva - intersubjetiva e interna - parece enfraquecido. A racionalização ideológica abranda a força do que, sem freios e livre, seria uma angústia. A racionalização ideológica pode adormecer nosso ímpeto por buscar as entranhas de um fato social e psicossocial. O processo opera como abafador e afrouxador de tensão.<br />Racionalizações ideológicas abrandam, abafam, tornam frouxas a realidade e a experiência do antagonismo de classes. A energia psíquica aí empregada é de grande monta, interferindo certamente na economia de nossas trocas simbólicas, na economia de nossos encontros e desencontros com o outro. Os sujeitos envolvidos em acontecimentos de invisibilidade pública, o cego e o apagado, não podem relaxar: o cego trabalha para prover sua cegueira, o apagado, para manter-se à sombra. A luz que esclareceria desencontros humanos esmorece. Um encontro é desviado de seu curso natural para a encenação de um desencontro vivido com neutralidade ou indiferença, com soberba ou humilhação..<br />A invisibilidade pública é uma construção psíquica e social.<br />Nessas circunstâncias, muita violência e verdade amortecidas contam como ingredientes que impedem a compreensão da invisibilidade pública como signo de uma luta social, uma luta de classes. A invisibilidade pública, dessa maneira, não aparece como sintoma social, cristalização histórica de um desencontro, mas pode apresentar-se à consciência como fato natural.<span style="font-size:180%;">" </span></strong><br /><br /></span></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-size:78%;"><strong>ILUSTRAÇÃO: Garis no mundo do faz de conta.</strong></span></div></div></div></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-66240657221995349972008-10-29T13:15:00.015-02:002009-07-03T15:43:08.769-03:00"HOMENS INVISÍVEIS: RELATOS DE UMA HUMILHAÇÃO SOCIAL" - Fernando Braga da Costa - UM TRECHO<a href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQiDBQAa5GI/AAAAAAAAAzo/4eDsb5qyV3E/s1600-h/pra%C3%A7a+do+relogio+4.jpg"></a><div align="justify"><br /></div><div align="justify"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQh-83PLy-I/AAAAAAAAAzQ/O3HmipI0h74/s1600-h/pra%C3%A7a+do+relogio+1.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5262595748667313122" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 78px; CURSOR: hand; HEIGHT: 107px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SQh-83PLy-I/AAAAAAAAAzQ/O3HmipI0h74/s400/pra%C3%A7a+do+relogio+1.jpg" border="0" /></a>"HOMENS INVISÍVEIS" (veja capa e detalhes ao lado) foi escrito a partir de pesquisa extremamente peculiar: O Autor foi literalmente a campo e, por nove anos, trabalhou como gari na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo. Com esteio nesta longa e curtida vivência, FERNANDO BRAGA DA COSTA apresenta e desenvolve o fenômeno da <em><strong>invisibilidade pública </strong>dos trabalhadores subalternos</em>, cuja presença e existência, ao sentir dos professores e alunos daquele campus, confundia-se como mero item paisagístico. Coisa, e não, ser ("<em>Um poste, uma árvore, uma placa de sinalização de trânsito, um orelhão, uma pessoa em uniforme de gari na atmosfera social: todos parecem valer a mesma coisa</em>").</div><div align="justify">Leia, adiante, passagens que selecionamos, contidas no 4o . capítulo da obra:</div><div align="justify"><br /></div><div align="justify"></div><div align="justify"><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div></div><div align="justify"></div><div align="justify"><span><strong><span style="font-family:verdana;"><span style="font-size:180%;">"</span>AINDA NAQUELE DIA, aceitei o convite de um dos trabalhadores para que fôssemos almoçar no <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2">bandejão</span></span> central. No <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3">trajeto</span></span> entre a Escola Politécnica - local em que trabalhávamos - e o restaurante, necessariamente passaríamos em frente ao Instituto de Psicologia. Pedi para entrarmos: queria pegar a <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4">carteirinha</span></span> universitária e o dinheiro para pagar a refeição.<br />Calça, camisa e boné vermelhos: imaginei que, no Instituto de Psicologia, chamaria a atenção naqueles trajes. Pareceu-me divertido aparecer vestido de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_5"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_5">gari</span></span>, ‘fantasiado’. Tinha a expectativa de que aquilo poderia ser engraçado.<br /><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_6"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_6">Antônio</span></span> e eu entramos no bloco de aulas. Os alunos estavam em intervalo, fora das salas: pelos corredores internos, no centro <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7">acadêmico</span></span>, na <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8">lanchonete</span></span>. Conhecia aquela gente: amigos de turma, colegas, veteranos companheiros do <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_9"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_9">time</span></span> de futebol, parceiros do <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10">tênis</span></span> de mesa, os professores. Todos do instituto.<br />Atravessamos o andar térreo de ponta a ponta. Subimos as escadas. Passamos pelo andar superior. Entrei na biblioteca. Descemos as escadas. Novamente andamos pelo térreo. Passei pelo Centro <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_11"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_11">Acadêmico</span></span>. Transitamos em frente à <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_12"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_12">lanchonete</span></span>. Estava atento. Buscava a expressão de alguém surpreso: ‘Que roupas são essas, Fernando?’!<br />A atenção foi cansando lentamente. Meu olhar foi assumindo função meramente instrumental. Eu precisava, naqueles instantes, era desviar daqueles que não me viam: era para isso que, frustrado, eu precisava agora estar atento.<br />Já não esperava surpresa alguma dos outros comigo. Deixei de esperar pelas perguntas intrigadas, mas ainda seria capaz de responder a algum cumprimento, alguém que me tomasse por <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_13"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_13">gari</span></span> ao lado de um outro <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_14"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_14">gari</span></span>.<br />Nenhum cumprimento, mesmo que discreto. Os olhares me tangenciavam.<br />Mal-estar súbito: eu estava invisível. <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_15"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_15">Antônio</span></span> comigo: <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_16"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_16">Antônio</span></span> estava invisível.<br /><span style="font-size:78%;">(...)</span><br />Sentir-se invisível atordoa.<br />O que brota da percepção de não aparecer para os outros é a sensação de existirmos como coisa, um esvaziamento. Passamos a contar como se fôssemos um item paisagístico. Um poste, uma árvore, uma placa de sinalização de trânsito, um orelhão, uma pessoa em uniforme de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_17"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_17">gari</span></span> na atmosfera social: todos parecem valer a mesma coisa.<br />A partir do enigma, construído em mim, foram se agrupando outros lados da coisa. E os <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_18"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_18">garis</span></span>, não estariam eles também expostos à invisibilidade? Não viveriam isso ainda mais radicalmente? Mais assiduamente? Outros trabalhadores, em funções outras, mas também muito simples e marcadas pela <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_19"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_19">subalternidade</span></span>, não passariam também por isso? O que sentiriam em uma situação desse tipo? Após muitos (<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_20"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_20">des</span></span>)encontros assim, esses desencontros geradores de um mau sentimento, a invisibilidade pública, que quadro existencial se configura entre os <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_21"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_21">garis</span></span>, em que quadro <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_22"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_22">psicossocial</span></span> e político eles são imersos?<br />Quando vesti o uniforme, isso não foi suficiente para que eu me tornasse invisível diante dos <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_23"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_23">garis</span></span>. Por quê? Por que não foi possível que eu próprio me passasse por <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_24"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_24">gari</span></span>, mais um uniforme no meio deles?<br /><span style="font-size:78%;">(...)</span><br />Dias depois, varrendo com os companheiros, três professores do Instituto de Psicologia passaram ao meu lado. O lugar era outra vez o Restaurante dos Professores. Ficamos frente a frente. Um deles, naquele ano, <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_25"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_25">lecionava</span></span> aulas para nossa turma: chamava-me pelo nome e cumprimentava-me [SIC] nos corredores do bloco de aulas. O outro, durante uma aula, meses antes, havia valorizado o modo como me ocorreu traduzir uma lição sua: ‘Posso usar o que você disse, Fernando, numa conferência que estou para realizar?’. O último costumava fazer caminhadas pelo bairro de Pinheiros. Dois anos depois de eu ter cursado sua disciplina, em um desses passeios, ele fez questão de me acenar. Estávamos em calçadas opostas.<br />Pois bem, naquele dia, no Restaurante dos Professores, ficamos frente a frente, eu e os três. Nenhum deles fez qualquer saudação. Não me viram. Um deles - aquele que me reconhecera do outro lado de uma larga avenida - precisou desviar-se para não nos esbarrarmos sem dar-se conta de que era eu.<br />Teria sido <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_26"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_26">distração</span></span>?<br />Teria sido ocorrência episódica?<br />Duas semanas depois, mesmo cenário, mesma <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_27"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_27">ação</span></span>: Restaurante dos Professores, os <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_28"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_28">garis</span></span> varrendo, eu varrendo entre eles e uniformizado. Encontro outras duas professoras do <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_29"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_29">IPUSP</span></span>. Em <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_30"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_30">seleção</span></span> para monitoria em sua disciplina, havia sido avaliado e aprovado por uma delas. Trabalháramos juntos, semanalmente, um semestre inteiro. Com a outra, o <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_31"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_31">contato</span></span> era menos <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_32"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_32">acadêmico</span></span>, menos formal: fora das aulas, trocávamos <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_33"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_33">idéias</span></span> quando estávamos em seu departamento.<br />Interrompi o trabalho de varrer e ensaiei o corpo para uma saudação. Passaram a pé ao meu lado, ombro a ombro. Não me viram. Em situação semelhante, poucos meses depois, Restaurante dos Professores, uma delas chegou a me encarar olho no olho. Estávamos a uma distância que não superava dois metros. Olhava com medo. Não me via. Não me reconheceu. Deu um boa-tarde tímido e acelerou o passo.<br />Em questão de dias, novo encontro com a docente. Na <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_34"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_34">guarita</span></span> de entrada do restaurante (o tal restaurante, agora já famoso), parou o carro ao me reconhecer:<br /></span></strong></span><span style="font-size:78%;"><br /><span style="font-size:85%;"></span><span style="font-family:verdana;"><strong>- <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_35"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_35">Ué</span></span>, mudou pra Botânica?!<br />- Não. Continuo psicólogo.<br />- E o que cê faz aí?!<br />Explico-lhe.<br />- Ah, que lindo! Quem é seu orientador? [...] Ah, vai ficar muito bom! Quero ler, viu?! Quando ficar pronto. Quero mesmo! </strong></span></span><br /><span style="font-size:78%;"><br /></span><span><strong><span style="font-family:verdana;">Não teria sido um problema de visão - um problema físico, problema orgânico - que teria impedido a professora de reconhecer seu ex-aluno dias antes. O que seria então?<br /><span style="font-size:78%;">(...) </span><br />Nenhum ser humano, andando na rua, passa por outro como quem passa por um poste: o corpo e o olhar se modificam, os movimentos ficam distintos, a atenção se transforma, é <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_36"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_36">afetada</span></span>, como que se alarga. A atenção que um homem dispensa a outro homem é de natureza diferente daquela dirigida a <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_37"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_37">objetos</span></span>. Entretanto, as pessoas que passam pelo <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_38"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_38">gari</span></span> não parecem ter sua atenção suficientemente modificada, modificada pelo poder específico, pela influência específica de que é capaz a presença de um outro humano que está ali: desviam-se dele como quem se desvia de um obstáculo, uma coisa qualquer que atrapalha o caminho. ‘Eles nem olham na cara da gente.’<br />‘A gente sempre ouve uns comentário. Às vezes uma palavra estraga o dia da gente. Eles humilham a gente, <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_39"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_39">né</span></span>?! Então é melhor evitar <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_40"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_40">contato</span></span>. Pra gente não ficar reprimido.’<br /><span style="font-size:78%;">(...) </span><br />Aqui evoco outra vez José Moura Gonçalves Filho, quando assevera que não se trata simplesmente de humilhação, mas humilhação social: um sofrimento, sim, sentido em corpo e alma pessoais, mas um sofrimento político.<br /><span style="font-size:78%;">(...) </span><br />A cegueira de gente que não vê gente é traumática, causa angústia. A cegueira de gente que não vê gente dispara humilhação. A humilhação pode ser determinada como cegueira pública, pode ser determinada segundo a experiência de não aparecer como gente estando no meio de gente.<br />O aparecer de um homem no meio de outros homens, o aparecer de gente enquanto tal, é um acontecimento <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_41"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_41">intersubjetivo</span></span>, é um <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_42"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_42">fenômeno</span></span> <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_43"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_43">psicossocial</span></span>. A <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_44"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_44">subjetividade</span></span> de cada homem solicitada pela <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_45"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_45">subjetividade</span></span> de um outro humano. A cegueira pública - um homem que desaparece para outrem - também configura, dessa forma, um evento <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_46"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_46">psicossocial</span></span>. Tanto o cego como o indivíduo que não pôde ser visto sentem essa realidade, não a ignoram?<br />O olhar fala a alguém. O olhar faz falar. O que dizer, então, desse olhar quando não acontece? Como interpretá-l<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_47"><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_47">o</span></span>, quando parece interrompido? Que desencontro é esse? Aqueles que aparentemente não vêem, não vêem? Percebem que não vêem? Há deliberação? Ou trata-se de um mecanismo psicológico já automatizado?<span style="font-size:180%;">" </span></span></strong></span></div><div align="justify"><span style="font-size:180%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:78%;">Ilustração: Praça do Relógio, Cidade Universitária.</span></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7053810504990274718.post-9424238675166053532008-10-19T19:21:00.030-02:002008-10-29T18:24:16.130-02:00"A REGRA DO JOGO" - Cláudio Abramo - UM TRECHO: CONTUNDENTES OPINIÕES A RESPEITO DE LOURENÇO DIAFÉRIA<a href="http://3.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SP9ePZRY_BI/AAAAAAAAAyY/HPN4VPwlUJw/s1600-h/abramo.jpg"></a><br /><div><a href="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SP9dxhO5AWI/AAAAAAAAAyQ/GgIoan1qb2Y/s1600-h/abramo+2.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5260025995107828066" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SP9dxhO5AWI/AAAAAAAAAyQ/GgIoan1qb2Y/s400/abramo+2.jpg" border="0" /></a><br /><div align="justify"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_zxD2dUWwMYs/SPun4i3u0qI/AAAAAAAAAyI/l5qwjNvKWBw/s1600-h/maquina.jpg"></a></div><div align="justify">Na postagem anterior comentamos o imbróglio em torno da publicação, na Folha de S. Paulo, de crônica na qual Lourenço Diaféria cutucou Caxias e causou melindres aos militares, em 1977. </div><div align="justify">Dias depois de trazermos aquela crônica ("<em>Herói morto. Nós</em>."), caiu-nos na mão o instigante livro de Cláudio Abramo ("A Regra do Jogo"), que numa das passagens relata o episódio do seu afastamento da direção do jornal Folha de S. Paulo, por interferência da cúpula do Regime Militar. Como se verá adiante, a publicação da crônica foi o pretexto para sua saída. A opinião de Abramo a qualificar o episódio é contundente em relação a Diaféria ("<em>Minha interpretação é que ele </em><em>agiu como provocador ou foi manipulado.</em>") e lança rigorosas observações a respeito das suas qualidades literárias . </div><div align="justify">"A Regra do Jogo" é leitura indispensável para a compreensão do jornalismo impresso brasileiro contemporâneo e sobre como chegamos até ele. </div><div align="justify">O livro é composto a partir de depoimentos de Abramo - prestados a vários jornalistas - no espaço de 10 anos. Traz, ainda, em uma diagramação distinta do livro propriamente dito, artigos publicados nos jornais e revistas em que trabalhou. </div><div align="justify">Vamos ao trecho: </div><div align="center"></div><p></p><p align="justify"><span style="font-family:lucida grande;"><strong><span style="font-size:180%;">"</span>FUI AFASTADO [da Folha de S. Paulo] de novo em 1977. Estou convencido de que, nesse episódio, houve uma mistura de vários componentes. Um deles era a necessidade que o jornal tinha de abrir caminho para o pessoal novo que vinha chegando, que no fundo também foi o que acontecera no Estado, e que é normal. Só achei ruim o Frias não ter discutido a questão comigo, pois eu teria compreendido perfeitamente. Outro foi o fato de que eu tinha de novo ficado muito importante. O general Sílvio Frota, que era o ministro do Exército do presidente Geisel, estava preparando o golpe. Se ele vencesse, eu seria fuzilado e Frias preso; e, se Frota tentasse o golpe e perdesse, o herói seria eu. De modo que a situação não interessava a Frias, de um jeito ou de outro. Pode-se dizer também que, no projeto de abertura, houve um acordo tácito entre os militares e os donos de jornais. Creio que eles não chegaram a falar no assunto, mas deve ter havido um entendimento implícito de tirar os chefes de redação que eram <em>trouble-makers</em>. Subitamente, num prazo de dois ou três anos, fomos quase todos eliminados. Janio de Freitas já estava fora de direção, mas em sucessão saímos AIberto Dines, Mino Carta, eu.<br />A razão visível para meu afastamento, na verdade um pretexto, porque a situação estava madura para eu cair (até tinha dito isso para Radhá poucos dias antes), foi uma crise criada com a publicação de uma crônica de Lourenço Diaféria, que o Exército julgou ofensiva à memória do duque de Caxias. Diaféria foi preso. Mas qualquer jornalista médio sabe que não se mexe no duque de Caxias, e ele sabia disso. Minha interpretação é que ele agiu como provocador, ou foi manipulado. Por conta da publicação da crônica, colocou em risco um projeto muito maior. Por isso acho que agiu como provocador policial. Com sua prisão, o jornal decidiu publicar a coluna em branco, numa reunião de que participaram Frias, seu sócio Carlos Caldeira Filho, Ruy Lopes e eu. Fez-se uma votação, na qual Frias, Caldeira e Ruy votaram a favor da coluna em branco. Eu me opus, votei contra, dizendo que eles não tinham nenhum tanque para resistir e fatalmente seriam forçados a recuar. Mas nessa altura eu já estava no chão. No dia seguinte o general Hugo Abreu, chefe da Casa Militar de Geisel, ligou para o jornal e Frias pediu que me demitisse; e me demiti. Ele não me demitiu, pediu que eu o fizesse.<br />Dias depois, fui interrogado por um inspetor especial, na Polícia Federal, sobre a tal coluna de Diaféria. Expliquei que a coluna havia sido mandada para a oficina à minha revelia, e que eu não a publicaria, se tivesse sabido de seu conteúdo. E que, por mim, demitiria Diaféria, um cronista muito medíocre; ele tentou fazer algo que demandaria o talento de um grande escritor. Eu teria tirado a alusão ao duque de Caxias, não porque ela não devesse ser feita, mas porque para isso seria necessário alguém que manejasse muito bem a língua, que manipulasse bem as palavras. O que não era o caso de Diaféria.<span style="font-size:180%;">” </span></strong></span></p><p align="justify"><strong><span style="font-size:78%;"><span style="font-family:arial;">ILUSTRAÇÃO: Cláudio Abramo.</span> </span></strong></p><p align="justify"><strong><span style="font-size:180%;"></span></strong></p></div>A.Mandrilhttp://www.blogger.com/profile/05686925292003712100noreply@blogger.com0