OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO - (5) WASHINGTON LUÍS E O BELETRISMO DILETANTE


Com a mais alargada das vênias, faço meu reparo ao perfil de WASHINGTON LUÍS, produzido por ADELTO GONÇALVES.



Num exercício de contraste das personalidades de W. Luis e Vargas, ADELTO aponta o presidente deposto como "homem bem preparado e traído por meia dúzia de lambe-botas". Os justos predicados exaltados em W. Luís ("historiador, barítono e estudioso da obra de Verdi") em quase nada contribuíram para o exercício da presidência; serviam mais era de estofo para debates diletantes, como os promovidos na Villa Kyrialle (morada de um cultuado proprietário paulista, onde a alta burguesia discutia ciências, literatura e música, em jantares do Olimpo, em convites e menus escritos em francês).

O autor de "1930: OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO" reconhece em W. Luís a quase que total falta de consciência da gravidade do momento político do último biênio de seu governo. "Parecia sofrer de uma incapacidade congênita que o impedia de enxergar com clareza o que se passava a sua volta. A crença de que cumpria uma espécie de mandato divino lhe dava a certeza de estar inune a traições. Via-se como um ícone." Como que agraciado por "um pouco da unção divina de que se acreditava possuidor".

W. Luís, "em companhia de amigos, quase todos médicos e advogados, discutiam teoria literária, dedicavam-se à critica das artes em geral. Envolviam-se em discussões bizantinas sobre o verdadeiro sentido da Estética, ramo da Filosofia, ou sobre a natureza do processo de criação artística. Perdiam-se em tediosas considerações sobre as diferenças entre ver e olhar uma pintura, diversão culta, refinada, que revelava erudição e berço. Com inteligência e humor, exercitava-se (...) numa atmosfera de terceiro reinado sem coroa (...) um enciclopedismo inútil, com o qual se divertiam horas a fio, esquecidos das mazelas da vida real."

Ele acreditava - como a moça feia que saiu na janela, de Chico Buarque - até o último minuto, que Vargas estava ao seu lado. Enlevou-se com uma partida de ligüiças da melhor qualidade, oferecida por Getúlio, como presente de Natal..., tecia a Vargas elogios desmedidos... Depois, consumado o lançamento da candidatura da Aliança Liberal, W. Luís, numa mostra de que sentira duramente o golpe, divulgou cartas de Vargas, de poucos meses antes, em que este proclamava a unidade com o governo.

Sua incompreensão acerca dos fatos que o rodeavam era de tal envergadura que, depois de haver rodado a baiana com o lançamento da candidatura Vargas, meses mais tarde, consolidada a eleição de Júlio Prestes, e há menos de dez dias da irupção do levante, ele ainda dava crédito a Getúlio. Veja: "O presidente encarnava a autoridade dos jatobás. Mesmo diante das advertências de que havia uma conspiração em curso, recusava-se a admitir que seu ex-ministro da Fazenda fosse capaz de violar o ordenamento jurídico e capitanear uma insurreição contra o poder constituído."

Também não nos parece correto atribuir ao esilo da caudilhada gaúcha novidadeiras e nefastas práticas de controle do poder ("traria para a Capital da República os piores vícios da fronteira, terra marcada pelo mandonismo e pela violência desenfreada."). Afinal, até para fazer jus à correta análise histórica de ADELTO GONÇALVES, as elites, que naquele momento se engalfinharam por uma nova repartição do poder, tinham, independentemente dos grupos em que se aninhavam, as mesmas rudes práticas para a imposição da ordem. Jagunços, capangas, bate-paus, regionalismos à parte, as oligarquias conservavam igual prática.
Bernardes, e, depois, W. Luís, que não vieram da fronteira, não controlavam - para dizer-se o mínimo - suas polícias. Muito ao contrário. Conceda-se a W. Luís, a observação, de MEIRELES, de que este não era truculento.

Prova tombada e arquitetônica do que se afirma, está no famoso prédio da Rua da Relação que abrigou a 4a. Delegacia Especializada, depois DOPS (parece-me que há tomadas do filme OLGA, que foram rodadas lá). Aquele apavorante edifício serviu de base ao aparelho repressivo dos governos da Velha República, depois Estado Novo, mais tarde no duro período Dutra e da Ditadura de 64. A violência, ali, sempre foi desenfreada.
De Getúlio, falarei numa outra mensagem.
Até a próxima página.
(O texto escrito nesta cor é citação da resenha de ADELTO GONÇALVES; o texto escrito nesta cor é citação do livro "1930", de DOMINGOS MEIRELLES.)

Ilustração: Rio de Janeiro em 1930.

Um comentário:

Milton disse...

Seu texto é agradavelmente claro e a ressalva oportuna.