"AS NOITES DAS GRANDES FOGUEIRAS" (4) - Um trecho - PRIVATIZAÇÃO, REDUÇÃO DO DÉFICIT FISCAL: ANTIGAS EXIGÊNCIAS DOS CREDORES INTERNACIONAIS



Nesta passagem, Domingos Meirelles ancora-se no manifesto "ao povo da fronteira do Sul", que circulou em outubro de 1924, em cidades gaúchas. No documento o General João Francisco, um dos chefes do movimento contra Bernardes, denuncia "o abismo da corrupção (...) o escandaloso aumento dos salários" autoconcedido pelos membros do Congresso, em contraste com humilhante orçamento destinado aos militares, e o abalo do conceito de soberania diante da interferência dos ingleses em nossa economia. O diagnostico a seguir, retrato do Brasil dos anos 20, poderia ser trazido para os dias atuais sem muitos reparos.

... João Francisco denuncia a vergonhosa intervenção inglesa nos negócios do país, ao promover um balanço contábil das nossas disponibilidades financeiras, para saber se o Brasil está em condições de contrair novos créditos no exterior. A avaliação das contas oficiais do Governo fora uma exigência dos banqueiros ingleses. Para renegociar a dívida e conceder novos empréstimos, lembra João Francisco, eles haviam obrigado o Governo a ficar de joelhos. O Brasil tinha que promover uma série de mudanças na ordem econômicas e na estrutura administrativa para merecer a confiança do capital inglês.
(...)
Durante meses, os técnicos de Sua Majestade Jorge V se debruçaram sobre as vísceras do Governo com o objetivo de identificar os males que minam a saúde financeira do país. Examinaram os processos orçamentários, a circulação monetária, as tarifas, o funcionamento do Banco do Brasil, além de promover um estudo detalhado sobre os recursos minerais do país.
No dia 29 de junho, um domingo, o Diário Oficial publicara o relatório da missão com as suas principais recomendações.
(...)
Os ingleses aconselhavam Bernardes a combater o déficit fiscal com firmeza e a resistir a toda e qualquer tentação de emitir dinheiro, para tentar equilibrar as contas públicas (...), e recomendavam que o Governo enxugasse, drasticamente, o quadro de funcionários públicos, com o maior número possível de demissões, a fim de tornar a máquina administrativa menos onerosa e mais eficiente. Os ingleses confessavam-se impressionados com ‘grande numero de funcionários públicos existente nos pais’, um sorvedouro das finanças públicas. A comissão atacava também as despesas consideráveis que o governo fazia com o pagamento de pensões; o país gastava demais com aposentadorias.
O relatório indicava que os ingleses consideravam o melhor caminho para o Brasil reduzir sua divida externa: a venda ou o arrendamento de bens de propriedade do Estado, medida que deveria ser adotada juntamente com um pacote de facilidades para estimular a entrada de investimentos externos. ‘O Brasil não possui atualmente os recursos necessários para prestar eficiente auxílio à exploração de seu vasto território. O capital estrangeiro é essencial ao pais (...) O Brasil oferece, sem duvida, um vasto campo a esses capitais, mas deve estudar os meios de atraí-los, observava o documento.
Os membros da comissão defendiam a privatização das principais empresas estatais, como o Lloyd Brasileiro e a Estrada de Ferro Central do Brasil, por entenderem que era a única forma de o Brasil acabar, de uma vez por todas, com o déficit crônico, alem de fazer caixa para honrar compromissos assumidos com os credores internacionais. Os técnicos ingleses aconselhavam Bernardes a mudar a Constituição, não só para se livrar mais rapidamente das estatais como para que o Governo pudesse vender ações do Banco do Brasil aos bancos estrangeiros que operavam em território nacional.
O que os ingleses propõem, na verdade, é a transferência de significativa parcela do patrimônio publico para o bolso de investidores estrangeiros. Segundo eles, o Governo deveria deixar também de intervir abertamente na economia, como vinha fazendo, ao criar empresas e explorar serviços que são de competência da iniciativa privada.
A criação de uma indústria siderúrgica, pelo Estado, um velho sonho de Bernardes, era condenada pelos ingleses. Para ser bem-sucedido, o empreendimento deveria ser realizado com capital privado nacional e recursos externos. A comissão defendia uma economia de livre mercado, sem qualquer ingerência do Estado, única alternativa para o desenvolvimento econômico e social. Para crescer e ser uma grande nação, o Brasil precisaria abrir, definitivamente, as suas portas ao capital estrangeiro sem qualquer tipo de restrição.
O programa econômico e financeiro proposto pela comissão era apresentado ao Governo como a quintessência da modernidade e do progresso, apesar de ancorado em velhos postulados do liberalismo inglês do século XVIII.
ILUSTRAÇÃO: O autor, Domingos Meirelles

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