A ÚLTIMA EDIÇÃO DO "NOTÍCIAS POPULARES"


MANHÃ DE SÁBADO GRAVE E IMPACTANTE AQUELA que me reservou a oportunidade de ler a última edição do Notícias Populares.
NP, um jornal filho da puta, na genética da coisa: nasceu para servir como braço de apoio para a difusão das idéias da canalha lacerdista e udenista. Mas o Notícias soube superar o agravo de nascença e acabou por desenvolver um jornalismo sensacionalista e sensacional, com uma linguagem rameira, coloquial, de botequim, ponto de ônibus.
Exageravam? Exageravam. Torciam a notícia? Torciam. Mas tinham, com a linguagem adotada, um destinatário certo. Ou seja, aquele que não se encanta com manchetes sobre acordos na câmara, tabelas e gráficos, mercado financeiro, moda, e coisas do gênero. Justamente isso, a opção pelos menos letrados, já o fazia diferente.
Voltando à última edição, sua capa estampava a notícia infausta: Esta é a última edição, a última tiragem. Li o jornal inteiro. A coluna sindical, com notícias de dissídios e datas-base, a seção local, com tretas nas subprefeituras, perguntas e respostas sobre sexo, barbaridades de crimes, excentricidades, mulheres gostosas, esportes, Voltaire de Souza... Reli o editorial de despedida, assunto para uma outra oportunidade, com a sensação do the end inapelável: era o fim do NP. Folhas pra se guardar, pensava eu, enquanto aproveitava cada linha. Descobria, naqueles cadernos em minhas mãos, uma relíquia: a última edição do NP.
Lia sentado num banco de praça. Cidade de Lins, interior de São Paulo. O lugar era ponto de reunião, e mesmo dormitório, de andantes, ou, no linguajar mais técnico, habitantes urbano-sazonais, moradores de rua. Dois deles meus conhecidos. Django, um rural que não se adaptou na cidade; isto sintetiza seu drama. O outro, ex-caminhoneiro, desiludido pela traição da mulher. Nunca soube que trabalhassem. Embriagavam-se socialmente. Viviam de jutório, de restos e da sopa de um centro de assistência social.
Eram dez da manhã, os andantes estavam numa farra, cinco ou seis, contando estórias, arrumando os papelões-cama. Estava ali, diante de mim, a notícia e o leitor; na minha frente os destinatários, os leitores típicos e caricatos do já frio, duro e com certidão de óbito passada, Notícias Populares.
A ética do politicamente correto, o padrão asséptico e a aparência clean que ditava a nova tipagem das publicações do grupo Folha acabaram por decretar o fechamento do Notícias Populares.
Voltando ao ponto, termina que aquela última edição, ao invés de virar mais um guardado nos meus arquivos, foi, como tinha de ser, parar nas mãos da rapaziada. Melhor assim.
Naquele dia lembrei-me dos lotações da cidade de Osasco, onde, criança, eu via o Notícias na mão de um ou outro passageiro. Lembrei-me dos trens suburbanos carregados de gente cansada pelo batente, que liam livrinhos de faroeste, ou a edição do NP.
Prá ver como as coisas mudaram: hoje, se você entrar num coletivo, é mais fácil ver pessoas com a Bíblia do que com aqueles livrinhos de faroeste ou espionagem.
Até a próxima página.

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