GINETE DOS PENSAMENTOS, ARAUTO DA GRANDE LUZ*: AS BIBLIOTECAS EM PARADAS DE ÔNIBUS

"Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva, que faz o mar."
(Castro Alves)


O blog esteve em Brasília (DF) para conhecer bibliotecas em pontos de ônibus. Um inusitado formato de bibliotecas: livros espalhados em paradas de ônibus, onde o interessado, sem intercessão de um bibliotecário, escolhe-os e, sem qualquer controle, pode levá-los para casa, para devolvê-los mais tarde, num outro dia. Acomodados em pequenas estantes, em pontos de ônibus da chamada Asa Norte, os livros ficam à mercê do desejo das dezenas de milhares dos usuários do serviço de transporte público de Brasília. Uma biblioteca que nunca fecha, à disposição nas 24 horas do dia e nos 365 dias por ano. Difícil de acreditar. Daí porque demos uma de São Tomé e fomos conferir. Rumamos para Brasília com um pé de dúvida: isso funciona? E voltamos boquiabertos. Podescrer, isso existe. E funciona.
Como toda idéia verdadeiramente revolucionária - a roda, a comida por quilo e as janelinhas do Bill Gates - a dos livros em paradas de ônibus sustenta-se por sua simplicidade. Livros sem peias, com acesso sem prévia inscrição, sem fotografias três por quatro ou comprovante de residência. Sem horários ou prazos. Os nutrientes para a germinação da idéia foram: uma boa dose de uma quixotesca boa-fé e a confiança depositada nos destinatários do projeto. Afinal, quem, se não um sonhador - mas visionário, imaginaria que objetos atraentes como livros, desassistidos de qualquer cautela, não se perdessem, rapinados, vandalizados ou vendidos como jornal velho?
O criador do modelo, Luiz Amorim, pagou prá ver e viu muito além daquilo que esperava: Passados dez anos, tanto as bibliotecas como o acervo foram multiplicados (hoje são mais de dez bibliotecas nesses moldes, com o acervo milhares de títulos).
Essas peculiares bibliotecas de pontos de ônibus nasceram de uma outra experiência no minimo incomum: apaixonado por livros, Amorim colocou, num açougue, vejam: num açougue!, uma estante com dez títulos, para a freguesia e a vizinhança. Poucos, como ele, souberam compreender o potencial transformador da leitura: Alfabetizado somente aos dezesseis anos, conheceu nos livros o caminho para o enriquecimento da alma, e, com eles, só progrediu e progrediu. A paixão pela leitura fê-lo conhecedor desde o pensamento dos gregos até os modernos filósofos contemporâneos. Temas sobre os quais aborda com segurança e sem um só traço de pedantismo.
O blog conversou umas boas horas com Luiz Amorim. Dono do Açougue Cultural T-Bone, ele veio da Bahia para Brasília aos 7 anos, onde deu duro como engraxate e vendedor de picolés. Foi no açougue, onde iniciou como empregado, que começou a brotar a idéia de uma biblioteca sem as tradicionais formalidades e exigências. O poema que epigrafa essa mensagem é uma homenagem do blog para ele. Em verdade, a primeira lembrança literária que nos acorreu, ao sabermos da sua idéia, foi, justamente, a poesia "O Livro e a América". de Castro Alves.
Fomos a campo, para conhecer a espetaculosa e revolucionária experiência no mundo dos livros.
Percorremos seis pontos de ônibus e pudemos vivenciar, numa madrugada e numa manhã de sábado, a sensação de experimentar, apreciar, a bilioteca de novo tipo.
Conversamos com várias pessoas. A impressão que nos passaram foi muito positiva. Vimos gente lendo, gente arrumando as prateleiras, gente mirando os tombos, e até duas pessoas que usaram revista para sentar ou para espantar o calor. Mesmo entre aqueles que não se interessavam - naquele momento, ou sempre - por livros, do que ouvimos e sentimos pudemos notar que a população respeita, até com alguma devoção de altar, aqueles livros e estantes.
Falamos com EDNA, na parada 716. Disse que já pegou uns cinco livros. O último deles, com título mais ou menos assim: "Como Vencer a Timidez". Pelo que conversamos, e, como a vemos na foto, concluímos que Edna aproveitou o livro.
Depois, na parada 714, conversamos com ROBERTO, um desenhista. Usuário da biblioteca, disse que se interessa por enciclopédias, revistas e livros de línguas, e que lê muito no próprio ponto. Seu ultimo empréstimo: "Tudo a Declarar", de Armando Falcão. Disse que gosta de biografias.
Num outro ponto, encontramos NAYARA e ILZA, amigas. Encontramo-nas de livro em punho, lendo poesia. Se bem que para foto que oferecemos, elas fizeram pose. Uma delas lia "Asas da Utopia", do goiano Eugenio Santanna; a outra, o "Livro das Ignoranças". de Manoel de Barros. "Brilhante a idéia" dos livros em paradas de ônibus disse-nos NAYARA, enquanto dava uma ajeitada nas estantes.
Quanto à qualidade do acervo temos a dizer que há por lá um bom número de livros de pouquíssimo apelo ("Manual das Sociedades por Ações", "Repósitorio de Pareceres do TCU", "Anais do 8o. Congresso dos Geólogos do Brasil", etc.). Mas, desbastado isso, há, sim, muitos títulos de qualidade, coisas interessantíssimas. É cavoucar e encontrar tesouros. Na coluna ao lado falamos um pouco dos livros que trouxemos, obras fantásticas. Lidos, voltam - via postal - para as bibliotecas de novo tipo.

Saiba mais sobre as bibliotecas em pontos de ônibus, e conheça outros projetos culturais de Luiz Amorim clicando aqui.

* O título desta mensagem foi construído a partir trecho do poema "O LIVRO E A AMÉRICA", de Castro Alves.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi..

Sou de Brasília e já vi e até peguei livros neste sistema. É muito interessante e um distribuidor de cultura.
Bacana de se ver..

Abraço

Neo