1930 - OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO (4) - UMA RESENHA, POR ADELTO GONÇALVES


Para vocês uma resenha do livro
"1930 - OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO",
publicada no site Verdes Trigos.
A respeito da personalidade de W. Luis,
vale a pena conferir, também, um transcrição
postada anteriormente, que destoa
de parte da conclusão trazida do resenhista.




GOLPE OU REVOLUÇÃO?

Se alguém tiver alguma dúvida a respeito da inconsistência da rotulação de Revolução de 30 que os historiadores deram ao golpe militar que levou ao poder Getúlio Vargas, a leitura de 1930: Os Órfãos da Revolução, de Domingos Meirelles, servirá para afastá-la definitivamente. É verdade que houve movimentação de tropas, balbúrdia nas ruas e móveis e cadeiras das redações de jornais governistas serviram para armar grandes fogueiras nas principais cidades brasileiras, mas nada disso é suficiente para justificar que seja chamada de revolução uma rearrumação de elites no poder.

Aliás, depois da leitura de 1930: Os Órfãos da Revolução, se alguém sai com uma certa auréola de homem bem preparado e traído por meia dúzia de lambe-botas, esse é o presidente Washington Luiz, historiador, barítono e estudioso da obra de Verdi, substituído por um político baixote, oportunista, tímido, sem carisma e com pobreza de inflexões na voz, que traria para a Capital da República os piores vícios da fronteira, terra marcada pelo mandonismo e pela violência desenfreada.

O ridículo de Getúlio Vargas já se vê nas fotos da época em que, embora civil, exibia-se num uniforme militar incapaz de esconder sua cintura de barril. Salvava-o talvez a argúcia de Oswaldo Aranha, seu sócio, advogado e conselheiro, mais bem preparado intelectualmente, que esteve por trás do golpe e de todas as maquinações políticas mais inteligentes que levaram à derrubada da carcomida República Velha.

É claro que, depois do crash de 1929 que mandara a cotação do café para o lixo, o regime estava caindo de podre. Eleições presidenciais estavam marcadas para 1930 e os aristocratas paulistas e mineiros não se acertavam sobre qual grupo deveria manter a preferência na comilança do butim, a chamada política do café-com-leite, pacto que selou o revezamento no poder de representantes das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Os votos foram contados e, de ambos os lados, políticos acusavam-se mutuamente de roubar e fraudar eleições. Todos tinham razão.A população, desde a quartelada que mandara o monarca com um pé no traseiro de volta para a Europa, costumava assistir, bestializada, aos embates, quase sempre sem tirar partido nem proveito. Como dizia Otávio Brandão, membro do então recente Partido Comunista, não havia vantagem nenhuma em combater o fascismo de Júlio Prestes para cair no fascismo de Getúlio Vargas, os candidatos a presidente. Como representantes da oligarquia, ambos estavam apenas empenhados em defender seus interesses de classe, dizia Brandão, que, a essa altura, apenas não sabia que estava do lado de um outro tipo de fascismo, o vermelho. Não demorou muito para que descobrisse.

Escrito em linguagem jornalística, sem os subterfúgios nem as análises rebuscadas, que costumam esbodegar os textos dos historiadores tradicionais, o livro de Meirelles é um exemplo perfeito de trabalho investigativo. É resultado de pesquisas em oito arquivos brasileiros, no The National Archives of the United States, de Washington, e no Public Record Office, de Londres, além da leitura de dezenas de coleções de jornais e revistas da época, inclusive do Uruguai, Argentina e Itália. Um trabalho de fôlego que exigiu dez anos de dedicação e incluiu ainda entrevistas e depoimentos recolhidos pelo autor entre 1974 e 2002 com testemunhas dos fatos.

Meirelles, conhecido do grande público por apresentar, na Rede Globo, um programa especializado em escabrosos casos policiais, que só tem servido para reafirmar o baixo nível da televisão brasileira, é, contudo, um jornalista premiado e autor também de As noites das grandes fogueiras: uma história da Coluna Prestes, de 1996, notável trabalho de pesquisa sobre o movimento rebelde empreendido na década de 1920 por jovens oficiais do Exército e da Força Pública de São Paulo que inaugurou a chamada guerra de guerrilha muito antes que a expressão se tornasse moda com a Guerra do Vietnã.

1930: Os Órfãos da Revolução, na verdade, é uma continuação do livro anterior, que termina exatamente quando os rebeldes, depois de percorrer 36 mil quilômetros pelo interior do Brasil sob perseguição implacável das tropas oficiais, refugiam-se nas matas da Bolívia e prometem voltar, um dia, para acabar com a oligarquia que tiranizava o país.

O novo livro de Meirelles mostra exatamente o que se deu com aqueles jovens idealistas que, aproveitando-se da anarquia que dominou o Exército brasileiro na maior parte do século XX, imaginaram que, rompendo com seus superiores, conseguiriam mudar o quadro desolador de injustiças sociais que marcava o Brasil de então.

Não obtiveram êxito, como se sabe, embora tenham levado a efeito um movimento ímpar na História brasileira. Boa parte daqueles tenentes, que se notabilizaram por seu esforço heróico, porém, acabaria retornando ao país e ajudaria o caudilho Getúlio Vargas a empolgar arbitrariamente o governo. Já Luís Carlos Prestes, ao contrário de Miguel Costa, o outro líder da Grande Marcha, depois de sondado no exílio em Buenos Aires por emissários, não aceitaria participar da aventura tecida por Aranha a mando de Vargas.

Se tivesse aceitado, com o seu prestígio de depositário das melhores esperanças da nação, certamente, a história do Brasil teria sido outra — para melhor ou para pior. Preferiu, porém, deixar-se doutrinar pelos teóricos do comunismo, então uma força em ascensão, viajou para a Rússia e viu de longe os seus antigos companheiros da Coluna serem (con)vencidos pela lábia de Vargas e pela ação dos conservadores. Tentaria chegar ao poder em 1935, também pela força, com a chamada intentona comunista, fancaria que seria, facilmente, desbaratada pelas tropas do governo.

É claro que são esses antigos rebeldes os órfãos da Revolução, de que trata o título do livro. Mas, se tentaram fazer alguma revolução, foi quando procuraram sublevar quartéis contra a aristocracia nos primeiros anos da década de 1920, ao tempo da Coluna Prestes. Depois, muitos desses antigos rebeldes, talvez cansados de dar murros em ponta de faca, associaram-se aos seus piores algozes para participar do movimento de 1930, que nada teve de revolucionário.

Das páginas deste livro de Meirelles, porém, ninguém emerge como herói. São todos personagens pouco confiáveis, retratados em sua insignificância humana, a maioria preocupada apenas com a própria sobrevivência física ou política. Um é extremamente ladino, jura fidelidade ao poderoso do dia para, em seguida, urdir a conspiração, outro é insensível e intransigente a ponto de não perceber que o poder lhe foge por entre os dedos, enquanto alguns generais de salão preferem entregar a cabeça presidencial, em vez de correr o risco das batalhas. Enfim, todos extremamente pequenos diante da História, ardilosos, mesquinhos, de quem nada se podia esperar de grandioso.

Mesmo assim, iludiram as massas de desempregados que vagavam pelas cidades e pelo campo do Brasil de então, um país mergulhado em recessão num mundo conflagrado por agitação social, greves, ocupação de fábricas e ameaças de golpes vermelhos na velha Europa.

Para aqueles que já nada tinham a perder, como os tenentes derrotados da Coluna Prestes, a palavra revolução passava a fazer sentido, ainda que viesse da boca de fazendeiros como Vargas e Osvaldo Aranha. Assim, surge a Aliança Liberal, movimento tipicamente brasileiro em que patrões falam como empregados e donos do poder apresentam-se como revolucionários.

Por tudo isso, embora seja obra de muitos méritos, a leitura deste livro de Meirelles, nos dias de hoje no Brasil, pode não constituir exercício muito alentador, principalmente para aqueles que ainda acreditam nos valores da democracia e escrevem cartas aos jornais para dizer que os ladrões do erário público de hoje serão punidos com o voto da população e escorraçados do poder. Bobagem. O povo elegerá sempre novos e velhos ladrões que, como os corvos, lhe virão comer os olhos amanhã.


Adelto Gonçalves é Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Autor de "Gonzaga, um Poeta do Iluminismo" (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), "Barcelona Brasileira" (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e "Bocage – o Perfil Perdido" (Lisboa, Caminho, 2003).

Ilustração: Washington Luís.

5 comentários:

Milton disse...

Dizer que Getúlio Vargas não tinha carisma desmerece todo o texto.

Anônimo disse...

Não foram os historiadores que cunharam o termo "revolução". O termo foi elaborado pelas pessoas que estiveram comprometidas com a causa de então. Os historiadores, em sua maioria, evidenciam que esta foi uma construção e como tal, tentam mostrar como foi pensada. Hoje, quase todos historiadores usam esta expressão como um repertório de época... Abraços!

Anônimo disse...

Domingos Meireles não conheceu Getúlio Vargas, está criando uma teoria absurda, desmerecendo o grande político que mudou o Brasil

Anônimo disse...

Eu era rapazinho, quando estive em um comício de Getúlio. Fiquei no meio do povo, ouvi Getúlio falando e a multidão reverenciando um dos maiores líderes que teve o Brasil. Como o autor do livro pode dizer que ele não tinha carisma? Isto é falsificar a história.

A.Mandril disse...

Prezado leitor,
As suas críticas, e eu as acompanho, sobre a afirmada falta de liderança De Getulio, respondem a opinião de Adelto que resenhou -e mal- o livro de Dmingos Meirelles. Meirelles pensa como você, e não ignora as capacidades de Getulio.